"A fantástica história de Silvio Santos" de Arlindo Silva: biografia parcial e superficial do apresentador de TV e empresário, idolatrado pelos mais pobres, e que fez fortuna explorando... os mais pobres
Li já há alguns anos o livro "A fantástica história de Silvio Santos", biografia do principal apresentador de TV brasileiro, escrita pelo jornalista Arlindo Silva, amigo pessoal do biografado. A edição que li e que ainda tenho em mãos foi lançada em 2001 e conta toda a trajetória de Silvio, de seu nascimento em 1930 até o episódio do sequestro de sua filha, fato que mobilizou a mídia no início dessa década. Foi uma das primeiras biografias que li.
Estão no livro sua infância, adolescência, seus primeiros passos como vendedor ambulante de canetas, o surgimento do Baú da Felicidade (então, uma empresa de venda de brinquedos) que, anteriormente, pertencia a seu amigo Manoel da Nóbrega e que foi dado por ele a Silvio, quando o negócio ainda estava no início e capengava. O início no rádio e o estrelato obtido na TV, bem como toda sua curta e chamativa história na Política, quando tentou ser Presidente da República. Silvio Santos, com suas empresas, tem um patrimônio em torno de 4 bilhões de reais.
O livro possui duas principais características: a parcialidade e a superficialidade. É notório que Silvio Santos nunca gostou de dar entrevistas ou comparecer em eventos públicos, além de sua rotina como apresentador do SBT. Somada à leitura do livro, isso denota uma preocupação excessiva com a auto-imagem. A escolha de um amigo pessoal para relatar a história reforça essa parcialidade. Mas o pior do livro é sua superficialidade. Nenhuma polêmica é aprofundada. Nada que possa deturpar a imagem de um "ser humano perfeito". Entretanto, não existe uma pessoa perfeita e fatos controversos são ignorados. Se houvesse uma reedição atualizada, dentre fatos antigos e recentes, faltaria:
- Jogos de azar: na prática, a Tele Sena, criada por ele, não é uma capitalização, visto que a maioria das pessoas, certamente, não troca seus jogos antigos por uma nova. Além disso, apenas metade do dinheiro investido era devolvido, se não me falte memória. Sendo assim, Silvio Santos, que é idolatrado pelo povo, principalmente pelos mais humildes, conquistou boa parte de seu patrimônio por meio desse jogo de azar, se aproveitando das pessoas. O mesmo se aplica ao Baú da Felicidade. Embora concebido como uma capitalização, boa parte do lucro, certamente, vinha das pessoas que não quitavam em dia suas mensalidades. Durante as crises econômicas que vieram nos anos seguintes, a inadimplência dos pobres enriqueceu Silvio.
- A criação do SBT e a propaganda pró-políticos: Silvio Santos adquiriu a concessão das emissoras que constituiriam o SBT após a falência das TVs Tupi e Excelsior. Porém, houve grande controvérsia na época, visto que Silvio já era dono de outras emissoras, que estavam em nome de parentes/amigos dele. Houve quem falasse que a concessão foi obtida devido à exibição do programa "A Semana do Presidente", um boletim semanal feito para agradar o chefe do Governo. Silvio era próximo do então Presidente João Figueiredo e o programa durou até o mandato de FHC. Todos esses governantes se aproveitaram dessa divulgação. Nesse contexto, anos depois, Silvio chegou a promover uma edição do falecido "Show do Milhão" só com políticos amigos, incluindo Paulo Maluf. Atualmente, é Jair Bolsonaro que goza de seu apoio, com declarações abertas dele e de seus apresentadores (Ratinho, em tom de ameaça contra críticos, e Raul Gil, por exemplo), bem com uma constrangedora campanha de vinhetas ufanistas, que lembram as feitas pela Ditadura Militar, incluindo uma que usa o mesmo bordão repugnante: "Brasil: ame-o ou deixe-o".
- Dívida dos ex-funcionários da Tupi: Silvio Santos assumiu em 1986 a dívida trabalhista deixada após a falência da TV Tupi. Porém, até hoje, não se sabe se todo o montante foi realmente pago.
- Plágio de programas: No livro, há uma citação pequena ao programa "Casa dos Artistas", que fazia muito sucesso na época. Porém, em nenhum momento, se fala que o programa era um plágio de um programa da produtora Endemol, que tinha vendido os direitos de adaptação para a Rede Globo que, por sua vez, lançou o similar (e igualmente péssimo) "Big Brother Brasil".
- Falência do Banco PanAmericano: igualmente pertencente a Silvio Santos, o banco faliu e foi vendido, cercado de escândalos de corrupção.
- Mensagens subliminares: Silvio Santos já utilizou mensagens subliminares, exibidas durante milésimos de segundo, durante a programação do SBT, para promover produtos de outra empresa sua, os Produtos Jequiti.
- Declarações polêmicas: nos últimos anos, Silvio Santos vem se destacando em ofender participantes em seus programas ao vivo, com comentários preconceituosos, principalmente de ordem racista, homofóbica e misógina.
- Teatro Oficina: Em anos recentes, Silvio Santos se envolveu em uma disputa de um terreno onde ele quer construir e vender apartamentos residenciais. Porém, Zé Celso, dono do Teatro Oficina, queria que o terreno abrigasse um parque público, idealizado pela arquiteta Lina Bo Bardi, responsável pela reforma do teatro anos atrás. O vídeo de uma reunião entre Silvio e Zé Celso viralizou e mostrou a face 'empresário voraz' de Silvio, bem diferente da face 'apresentador divertido/inusitado' conhecida pelo grande público.
Enfim, uma biografia decente que se preze deve abordar tantos os pontos positivos quanto negativos do biografado, obviamente. Isso não ocorre aqui. Embora seja uma obra com muitas informações e curiosidades, sendo ilustrado, carece de imparcialidade e profundidade, além de não citar polêmicas que já existiam quando de seu lançamento.
É certo que, provavelmente, só saberemos a dimensão total de quem foi Senor Abravanel (seu nome real) quando ele vier a falecer e, com liberdade, pessoas próximas que com ele viveram/trabalharam, sem as amarras impostas pelo controle forte dele sobre a própria imagem, terão liberdade para abordar o humano por trás do personagem amado, ao meu ver, injustamente, por um povo carente de alegria.
(SILVA, Arlindo. A fantástica história de Silvio Santos. São Paulo: Editora do Brasil, 2000, 4ª edição, 280 páginas)
P.S.: Resenha escrita em 2018. Livro lido em 2007.