JUCA PARANHOS, O BARÃO DE RIO BRANCO
Por José Luís de Freitas*
O diplomata e embaixador do Brasil na Nicarágua Luís Claúdio Villafañe criou uma biografia com linguagem atualizada, consistente academicamente e divertida. Sua narrativa expõe a vida do biografado numa versão com linha argumentativa legível e agradável, visto que o livro ultrapassa 500 páginas.
O autor se preocupou em atingir públicos mais amplos, utilizando-se de estilo literários ficicionais para criar cenas que envolvem o leitor num cenário humanizador do Barão de Rio Branco: logo no início do livro, ele está lendo uma carta de sua ex-amante, a atriz belga Marie Stevens, na qual revela-lhe que em breve Juca Paranhos será pai e o mesmo sente receio da reação de seus amigos e do seu próprio pai que até então desconhecia o fato que seria avô. Depois Villafañe prossegue a narrativa numa abordagem cronológica, acrescendo momentos de anedotas, trechos de discursos, jornais, documentos oficiais e outros registros históricos sobre Rio Branco.
Do ponto de vista acadêmico está ausente na obra a discussão sobre a projeção posterior da própria imagem do chanceler que era perito em apagar pistas que poderiam prejudicar suas versões, como “exposições de motivo” e limites de fronteiras ou o tratado secreto com o Equador que poderia atacar o Peru, caso o tratado de Petrópolis falhasse com a Bolívia. Tal episódio está ocultado na historiografia brasileira até hoje, o autor tem consciência de diversas omissões sobre alguns relatos e passagens da vida de Juca Paranhos. Ele expôs algumas delas em entrevistas posteriores ao lançamento de seu livro, existem centenas de documentos em outros países que poderão no futuro esclarecer ou até mesmo refutar algumas teses que permanecem nas estantes do Itamaraty e das escolas de relações internacionais.
Com uma das maiores fronteiras terrestres do mundo, compartilhada com dez países o Brasil é uma das poucas nações que possui seus limites fixados a mais de um século e sem um tiro. O oeste de Santa Catarina, um pedaço do Paraná, outros da Amazônia, vedando a Guiana Francesa o acesso a margem esquerda do rio Amazonas. Também encerrou as negociações que permitiram a incorporação do Acre onde colonos brasileiros haviam se revoltado contra o Governo da Bolívia. Nesse caso, o Brasil moveu tropas, mas elas não combateram. O nome da capital do Acre é uma homenagem a Rio Branco. O incrível trabalho diplomático realizado pelo Barão representa um acréscimo equivalente a dez por cento do território nacional.
Viver num País sem confrontos fronteiriços parece ser uma coisa comum, mas se levarmos em conta que após a morte do Barão a Europa teve duas grandes guerras as quais entrou em disputa o ingrediente das disputas territoriais, fica evidente o tamanho da paz que ele nos concedeu.
José Maria da Silva Paranhos Júnior nasceu num berço diplomático, desde 1869 acompanhava seu pai, José Maria da Silva Paranhos e o secretariou nas negociações do Rio da Prata e Paraguai, também participou posteriormente das negociações de paz. Esse contato precoce com a diplomacia de alto nível ainda na juventude foi fundamental para sua formação. Na carreira política começou como promotor e deputado ainda no Império, foi Cônsul-geral em Liverpool na Inglaterra a partir de 1876, após várias tentativas. No inicio de sua carreira diplomática passava os finais de semana em Paris, onde instalou sua mulher e seus cinco filhos. Acabou morando na capital francesa por 25 anos.
Em 1884, passou a integrar o conselho privado do Imperador, de quem recebeu, em 1888 o título de Barão do Rio Branco. Logo depois da Proclamação da República do Brasil, ele substituiu o conselheiro Antônio Prado na superintência da emigração para o Brasil, cargo que exerceu até 1983. No dia 1 de outubro de 1898, o Barão do Rio Branco foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, sendo o segundo ocupante da cadeira, n.34. Escreveu os livros: “Episódios da Guerra do Prata”, “Memórias Brasileiras”, “A história militar do Brasil” e “Efemérides Brasileiras”.
Foi ministro plenipotenciário em Berlim na Alemanha em 1900 e assume o Ministério das Relações Exteriores do Brasil entre 03 de dezembro de 1902 até 1912 em sua morte. Ocupou o cargo ao longo do mandato de quatro presidentes da república: Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca.
O Barão do Rio Branco nunca deixou de fazer uma política externa do café, as concessões para os americanos eram em geral melhores do que as opções para os argentinos, notadamente assimétricas, era uma tática necessária ao Estado brasileiro, uma estratégia do Barão, parecer amigo, mesmo daqueles aos quais se ofertava menos. Em 1905, somente sete países possuíam embaixadas em Washington, na época uma cidade abafada, provinciana e lamacenta. Os demais tinham apenas legações. Rio Branco mudava substancialmente os trânsitos até então desenvolvidos. Metade do café mundial e brasileiro era exportado para os EUA.
Ao deslocar o eixo da diplomacia brasileira da Inglaterra para os Estados Unidos, Juca Paranhos antecipa questões sobre a disputa territorial pelo Acre e inicia conversações de conciliação politico-econômica com os Americanos. A questão do Acre, além de envolver muitos atores externos, constituía-se também em complicado problema de política interna, que ele soube manejar – com apoio do presidente Rodrigues Alves, cujo papel na conjuntura foi também fundamental.
A propalada quase autonomia que Rio Branco viria a ter nos temas internacionais só seria conquistada muito tempo depois e nunca seria absoluta. Por mais intensas que sejam as concorridas disputas por cargos, promoções e remoções para o exterior o serviço de relações exteriores brasileiro preservou por muitos anos sua característica apartidária oriunda das práticas do Barão.
Rio Branco consolidou cerca de 900 mil km2 do território nacional. Tinha por princípio o respeito a vida política interna de cada um dos países da região, não demonstrava desejos por intervenções e resolve os conflitos de fronteira sem uso da força militar, ignorando o exercício habitual da Guerra, optando por deliberações internacionais com arbitragens ou negociações bilaterais.
Os tratados assinados com Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia, Peru, Uruguai, Argentina e Guiana Holandesa definiram os contornos do território do Brasil. Mais do que isso, consolidaram o discurso brasileiro sobre os limites do território nacional. Os argumentos que defendeu nas exposições de motivos que acompanharam os tratados encaminhados ao Congresso e nas explanações aos árbitros que julgaram as disputas de Palmas e do Amapá foram adotados não apenas pela diplomacia, como também pela academia brasileira e desde então repetidos por diplomatas e intelectuais brasileiros quase como um reflexo adquirido.
Como finalizou o autor: o trabalho de Rio Branco foi um dos pilares centrais para a manutenção da paz e segurança do Brasil ao longo do século XX e evitou um incomensurável desvio de recursos e energia em discussões estéreis com os vizinhos, como ocorre até hoje com inúmeros países”.
É incontestável que Rio Branco produziu uma obra politico-diplomática insuperável no Brasil e o trabalho biográfico, de pesquisa, reescrita e “tradução” numa linguagem mais palatável e acessível do embaixador Luís Claúdio Villafañe será sem dúvida muito utilizado e importante para a historiografia das relações internacionais do Brasil.
* Jornalista graduado na Universidade Metodista de SP, pós-graduado em Administração Pública da Cultura na UFRGS e estudante de Relações Internacionais e Economia na Fundação Universidade Federal do ABC - UFABC