Regras Para O Parque humano - Peter Sloterdijk

"Livros são cartas dirigidas a amigos, apenas mais longas", afirmou o poeta romântico alemão Jean Paul. A partir dessa ideia, o filósofo alemão Peter Sloterdijk desenvolve sua caracterização do humanismo em seu livro Regras para o parque humano.

A obra, aborda a origem do humanismo na escrita: a forma da sociedade literária, da sociedade dos leitores, visando testemunhar o amor à leitura, segundo o autor é a origem do processo de humanização do ser humano na Antiguidade, como uma oposição à selvageria e à agressividade presentes nos anfiteatros romanos.

Para o autor, estas duas "mídias", o anfiteatro (denominada pelo mesmo como “mídia desinibidora") e o livro (“mídia domesticadora"), coexistiram na Antiguidade romana e a tarefa do humanismo seria guiar o processo de desembrutecimento do ser humano: "a humanidade consiste em escolher, para o desenvolvimento da própria natureza, as mídias domesticadoras e renunciar às desinibidoras".

O tema destacado do humanismo é o desembrutecimento do ser humano, sendo sua tese latente as boas leituras conduzem à domesticação. O fenômeno do humanismo atualmente merece atenção, embora de forma velada e tímida, que as pessoas na cultura elitizada se encontram submetidas de forma constante e simultânea a dois poderes de formação.

Faz parte da crença do humanismo a convicção de que os seres humanos são "animais influenciáveis" sendo imperativo fornecer influências. A etiqueta "humanismo" recorda a contínua batalha pelo ser humano que se produz como disputa entre tendências bestializadoras e tendências domesticadoras.

Na época de Cícero, ambos os poderes de influência são fáceis de identificar, pois cada um possui uma mídia característica. Quanto às influências bestializadoras, os romanos já tinham instalado a mais bem-sucedida rede de meios de comunicação de massa do mundo antigo, com seus anfiteatros, seu açulamento de animais, seus combates de gladiadores até a morte e seus espetáculos de execuções. Nos estádios ao redor do Mediterrâneo, o desinibido homo inhumanus divertiu-se à larga como nunca antes.

Na época do Império, a provisão de fascínios bestializadores para as massas romanas se tornou uma técnica de dominação indispensável, rotineiramente aprimorada, sendo graças à fórmula "pão e circo" de Juvenal, persiste até hoje.

Só se pode entender o humanismo antigo se o apreendermos como uma tomada de partido em um conflito de mídias, como a resistência do livro contra o anfiteatro e como oposição da leitura filosófica humanizadora, provedora de paciência e criadora de consciência, contra as sensações e embriaguez desumanizadoras e impacientemente arrebatadoras dos estádios.

O que os romanos cultos chamavam humanitas seria impensável sem a exigência de abster-se da cultura de massas dos teatros da crueldade. Se o próprio humanista se perder alguma vez em meio à multidão vociferante, que seja tão-somente para constatar que também ele é um ser humano e pode, por isso, ser contagiado pela bestialização. Ele retorna do teatro para casa, envergonhado por ter compartilhado involuntariamente as contagiantes sensações, e está agora disposto a admitir que nada de humano lhe é estranho.

Mas, o que se diz com isso é que a humanidade consiste em escolher, para o desenvolvimento da própria natureza, as mídias domesticadoras, e renunciar às desinibidoras.

O sentido dessa escolha de meios consiste em desabituar-se da própria bestialidade em potencial, e pôr distância entre si e a escalada desumanizadora dos urros do teatro.

As considerações esclarecem que a questão do humanismo significa a suposição de que a leitura forma. Ela envolve nada menos que uma antropodiceia — isto é, uma definição do ser humano em face de sua abertura biológica e de sua ambivalência moral. Acima de tudo, porém, a questão de como o ser humano poderia se tornar um ser humano verdadeiro ou real está, daqui em diante, inevitavelmente colocada como uma questão de mídia, se entendermos por mídias os meios comunitários e comunicativos pelos quais os homens se formam a si mesmos para o que podem e para o que vão se tornar.

Vinicius Moratta
Enviado por Vinicius Moratta em 05/04/2019
Código do texto: T6616180
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