"A festa de Babette" de Karen Blixen: pequeno em tamanho, grandioso na quantidade de reflexões que proporciona

"A festa de Babette", pequeno e belo livro da escritora dinamarquesa Karen Blixen. Trata-se de um conto (ou novela?) publicado na Coleção Portátil da já saudosa Cosac Naify, adaptado para o cinema em um longa metragem de mesmo nome, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, lá nos anos 80.

A obra se passa em uma pequena vila na Noruega, onde vivem pessoas muito humildes. Dentre elas, duas irmãs, já idosas, Martine e Philippa, filhas do falecido e amado patriarca e líder religioso da comunidade. Devido ao excessivo moralismo e puritanismo dos preceitos religiosos, as irmãs não conseguiram se casar e viveram juntas a vida inteira. A rotina pacata das duas foi abalada, num dia de chuva, quando bateu em sua porta uma jovem francesa chamada Babette, que lhes entregou uma carta. Na correspondência, um antigo pretendente de uma delas pede abrigo e trabalho à moça, cujo marido e filho foram mortos durante o conturbado período da Comuna de Paris. Com o passar dos anos, Babette não apenas conquista o carinho das duas, mas de toda a pequena comunidade, constituída basicamente de idosos. Certo dia, o inesperado acontece e Babette ganha na loteria. Já preocupadas com seu possível retorno à França, as irmãs são surpreendidas com um pedido de Babette, o primeiro pedido em 12 anos de servidão e convivência. Ela pede para servir um jantar para as irmãs e outros convidados, amigos/vizinhos da comunidade, durante a comemoração do centésimo aniversário do falecido patriarca e líder religioso. Elas aceitam mas, na medida em que ingredientes exóticos e vinhos começam a chegar, influenciadas pela visão puritana da ameaça do pecado, as irmãs começam a achar que serão servidas por um 'banquete do inferno, regrado a álcool e servido por uma bruxa'. Elas manifestam a preocupação com outros membros da comunidade e, juntos, eles fazem um pacto de não tecerem comentários sobre a comida, tentando se abster do prazer do paladar, durante o jantar que for servido. Contudo, algo mágico acontece...

"A festa de Babette" pode ser interpretado de várias formas. Há quem veja o conto como um conflito do apego aos costumes e tradições contra aquilo que é novo e diferente. Há quem encare como uma demonstração de como uma vida baseada na crença pode limitar a visão de mundo, tornando-nos cruéis, egoístas e incapazes de sentir empatia. Há ainda quem veja a obra como uma ode à Arte (aqui representada pela Gastronomia), onde o artista só encontra prazer e sentido em seu ofício, e onde a Arte tem o poder de transformar as pessoas que, de alguma forma, são tocadas pela experiência artística.

Uma obra que oferece tantas interpretações e reflexões só pode (e deve) ser considerada como uma obra-prima da Literatura. Por isso, posso dizer que "A festa de Babette" está entre os melhores livros que li na minha vida, sendo uma obra obrigatória pra qualquer pessoa e um daqueles raros livros, cuja leitura pode influenciar aquilo que nos tornamos ou deveríamos nos tornar.

(BLIXEN, Karen: tradução de Cássio de Arantes Leite. A festa de Babette. São Paulo: Cosac Naify, 2014, (Coleção Portátil # 14), 64 páginas)

P.S.: Resenha escrita em 2017.

Manoel Frederico
Enviado por Manoel Frederico em 04/04/2019
Reeditado em 20/04/2019
Código do texto: T6615673
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