"Mulher no escuro" de Dashiell Hammett: quando o pai do noir e da novela policial tenta se aventurar em outros gêneros
"Mulher no escuro", livro do americano Dashiell Hammett, considerado um dos precursores do estilo noir e um dos pioneiros da literatura policial americana. A obra, ambientada na década de 30, conta a história de um ex-presidiário, que tenta viver uma vida tranquila, reclusa, mas cuja rotina é abalada quando uma mulher em fuga bate em sua porta, certa noite, e ele precisa lidar com isso e com os homens que a perseguem.
Hammett é mais conhecido pelo livro "O falcão maltês", adaptado para o cinema por John Huston, consagrando o ator Humphrey Bogart, na figura do detetive Sam Spade (filme ótimo, por sinal). Tal obra possuía todos os atributos do noir: personagens moralmente ambíguos, mulheres retratadas como "femme falale", violência e corrupção, senso de fatalismo e niilismo, etc. Sendo assim, pode-se afirmar que o "amor" não é retratado pela esfera romântica, mais focado por um senso cínico/desesperançoso, com a mulher assumindo o papel de "destruidora do homem", ao fazê-lo sair de sua zona de conforto, trazendo-lhe problemas. Cabe ao homem, então, sair do papel de "vítima" da femme fatale e recobrar o papel de "dono" da situação, ao salva-la e, por consequência, salvar a si próprio (num primeiro momento, das circunstâncias e, em seguida, da perspectiva niilista, ao ter a mulher dando-lhe um novo sentido à vida). A femme fatale sairia, portanto, de um papel de destruidora/desestabilizadora para um papel de salvadora/estabilizadora.
O que chama a atenção em "Mulher no escuro" é que esse ciclo lógico do noir da femme fatale não se encaixa perfeitamente. Embora a mulher busque a ajuda do homem, no caminhar das páginas, ela vai se tornando bem mais estável/firme/resoluta no enfrentamento de seus perseguidores, enquanto o homem, atormentado por traumas/fobias, vai se tornando fraco/refém da situação. É uma mudança significativa de perspectiva, se compararmos com "O falcão maltês". Vejo isso como, talvez, uma busca de Hammett em trazer fôlego novo, por meio de mudanças de abordagem, a um subgênero literário limitado por seus atributos pré-estabelecidos.
Entretanto, faltou a Hammett coragem no final da obra, ao tentar recolocar o homem no papel de herói, perdido nas páginas anteriores. "Mulher no escuro" é uma novela curta, tão pequena que poderia ser considerada um conto. É uma tentativa de Hammett, conhecido por suas obras policiais, de se aproximar do Romance, mas falta-lhe sentimento e desenvolvimento melhor de seus personagens, prejudicado pelo pequeno tamanho da história, o que deixa a compreensão dos nuances das atitudes um pouco injustificadas ou até mesmo forçadas. Cito como exemplo o "vilão", cujas motivações e fixações não estão devidamente claras ao término da experiência literária. Concluindo... não é um livro ruim. Contudo, esperava mais de um escritor tão influente.
(HAMMETT, Dashiell: tradução de Marcelo Kahns. Mulher no escuro. Porto Alegre: L&PM, 2008, (Coleção L&PM Pocket, volume 591), 104 páginas)
P.S.: Resenha escrita em 2017.