"Bonita Avenue" de Peter Buwalda: com intrincada estrutura narrativa, romance tem na pornografia online seu mote e, no drama familiar, sua construção
Eis que, após 1 ano, terminei a leitura das 536 páginas do livro "Bonita Avenue", premiado romance de estreia do holandês Peter Buwalda. A demora na leitura se deveu a dois fatores: primeiro, eu tenho lido apenas nos fins-de-semana (incrível como o excesso de trabalho têm me afastado das coisas que amo); em segundo, a complexidade da narrativa. Buwalda apresenta uma história densa, com capítulos narrados, alternadamente, por três personagens: Siem, sua enteada Joni e o namorado desta, Aaron. Joni tem seus capítulos narrados em primeira pessoa, e os outros dois personagens principais em terceira. A narrativa transita ora no passado, ora no presente, ora na Holanda, ora nos Estados Unidos. Soma-se a isso uma quantidade grande de personagens e situações irrelevantes que, por um lado, compõe um interessante quadro analítico das personagens, por outro tornam a leitura morosa, enfadonha em certos momentos, principalmente nos primeiros capítulos.
Buwalda conta a história de Siem, renomado e amado reitor de uma faculdade, ex-judoca, conceituado matemático, intelectual conhecedor de jazz. Ciente dessa imagem perfeita, Siem se esforça para manter escondido dos holofotes o fato de ter, no passado, um filho (Wilbert), fruto de seu primeiro casamento, condenado por homicídio. Casado com Tineke, ele trata as duas filhas dela, Joni e Janis, bem como Aaron, como se fossem seus próprios filhos. Com Aaron, inclusive, Siem estabelece uma relação bem paternalista, talvez para compensar a decepção com Wilbert, ensinando ao rapaz judô e compartilhando com ele conversas sobre jazz e literatura. Contudo, a vida perfeita de Siem começa a sair dos trilhos quando ele resolve fazer uma viagem de negócios à China. Ávido consumidor de pornografia online, Siem percebe que sua principal musa, de quem ele consome fotos nuas na internet, é idêntica à sua enteada Joni. A descoberta o conduz a um processo paranoico de investigação e autodestruição que, paralelamente, coincide com a saída de seu filho biológico da prisão...
Embora o tema da pornografia sirva como mote condutor da história, o principal atrativo de Bonita Avenue está na construção das relações entre os três personagens principais. Joni é uma mulher independente, inteligente e bem-sucedida que, aos poucos, vai sendo apresentada ao leitor. Aaron, namorado de Joni, é o oposto: fotógrafo autônomo, inseguro e ciumento, que vê na figura do sogro um ideal a ser atingido. Já Siem Sigerius é, de longe, a personagem mais complexa, com seus conflitos, segredos, egoísmo e moralismo. Até o final do livro, não é possível prever o destino da família Sigerius mas, ao longo da obra, é interessante perceber como um núcleo familiar pode se desvanecer lentamente, na exata medida em que se prioriza demasiadamente o "eu" em detrimento do "nós". A hipocrisia moral, de se condenar algo que você próprio alimenta, serve igualmente como um fator desagregador. Inclua algumas doses de loucura e tragédias na narrativa e há de se ter o panorama completo.
Mascarado como thriller, o romance de Buwalda, ambientado na gélida Holanda, pode ser encarado como um drama familiar. Isso se percebe nas entrelinhas do próprio título do livro. Afinal, foi durante o período em que moraram na Bonita Avenue, na ensolarada Califórnia, que os personagens guardaram suas melhores lembranças familiares, numa época em que viviam juntos, ainda sem a busca incessante por status, e compartilhando experiências e hobbys.
Sinto que a história poderia ser menor, mais direta em diversos momentos. Contudo, como experiência literária, valeu a leitura. Um bom livro.
(BUWALDA, Peter: tradução de Cássio de Arantes Leite. Bonita Avenue. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016, 536 páginas)
P.S.: Resenha escrita em 2017.