"As portas da percepção; e, Céu e inferno" de Aldous Huxley: uma abordagem interessante sobre alucinógenos, mas prejudicada pela ausência de uma metodologia imparcial

Nota inicial: Resenha originalmente escrita em 2013. Pretendo dar uma segunda chance à obra daqui algum tempo. Por hora...

"Céu e inferno", ensaio do escritor inglês Aldous Huxley, de 1956. A obra é sequência de um outro conhecido ensaio, "As portas da percepção", de 1954, que também li tempos atrás, ambos presentes na mesma edição que tenho em mãos.

Meu primeiro contato com Huxley foi alguns anos atrás, quando tive a oportunidade de ler "Admirável mundo novo", um dos melhores romances da história e um dos livros que mudaram minha visão de vida. Foi, portanto, com ansiedade, que quis ler estes ensaios, embora fossem obras de não-ficção.

Nos dois ensaios, Huxley descreve suas experiências pessoais com a mescalina, alcalóide extraído de um cacto mexicano, muito utilizado pelos xamãs indígenas da região, com propriedades alucinógenas. Em "As portas da percepção", Huxley narra as experiências propriamente ditas; já em "Céu e inferno", ele detalha suas idéias, defendendo que o uso dessa droga poderia levar o usuário à "revelação", atingindo uma "espera mística não inalcançável pelo pensamento racional" (o "céu" da questão). Porém, sob a influência das emoções negativas do ódio e do medo, o usuário poderia cair na "auto-aniquilação" (o "inferno" da questão).

Minha opinião: para alguém que tem uma visão cética, Huxley comete três falhas: primeiro, não detalhar o método científico utilizado na experiência que se submeteu. Segundo, tomar partido da causa, sem análise detalhada dos efeitos nocivos da droga analisada, o que faz esse parâmetro ser completamente negligenciado nas duas obras. Terceiro, misticismo exagerado. Por mais que Huxley faça analogias com diferentes culturas e artes do mundo todo, observadas ao longo da história, tentando mostrar a tendência do Homem em buscar essa "Revelação", igualmente possibilitada pela mescalina, segundo o autor, não vejo isso como argumento coeso, dada à pluralidade de parâmetros envolvidos nessas analogias. Sendo um pouco cruel, poucas coisas são tão ridículas como um místico tentando soar científico. É necessário separar bem as coisas: a espiritualidade da realidade.

Enfim, eu esperava mais. É louvável a coragem de Huxley em se aventurar nessas "viagens" (há um pouco de humor involuntário em alguns pontos), como descrito em "As portas da percepção", mas a interpretação dessas alucinações são equivocadas, como assim o demonstra "Céu e inferno". Senti falta do detalhamento dos efeitos nocivos, das implicações éticas e legais na questão. Em uma sociedade que discute os males do tabaco e a legalização da maconha, senti falta de uma abordagem mais séria, científica e completa, ainda que talvez não fosse esse o propósito de Huxley. Tudo bem que a década de 50 não é igual à temática atual, mas não há como não relacionar. Os ensaios não me cativaram, valendo mais como mera curiosidade para quem se interessa pela temática.

(HUXLEY, Aldous: tradução de Osvaldo de Araújo Souza. As portas da percepção; e, Céu e inferno. Porto Alegre: Globo, 1979, 9ª edição, 120 páginas)

P.S.: Resenha escrita em 2013. Contudo, a leitura de "As portas da percepção" foi realizada em 2009. O ensaio seguinte foi lido em 2013.

Manoel Frederico
Enviado por Manoel Frederico em 03/04/2019
Reeditado em 20/04/2019
Código do texto: T6614403
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