"As rãs" de Mo Yan: a terrível política do filho único refletida num romance excelente
Livro escrito por Mo Yan, primeiro chinês a conquistar o prêmio Nobel de Literatura. Fazia tempo que um livro não me chamava tanto a atenção. O romance de Mo Yan é contado por meio de cartas, escritas pelo narrador da história, Wan Perna (também conhecido pelo apelido de infância "Corre Corre" ou pelo pseudônimo literário "Girino"). As cartas são direcionadas a um professor japonês, mentor de Corre Corre. Nessas cartas, ele conta a história de sua vida, dando um foco maior em sua tia, Wan Coração.
Corre Corre nasceu numa aldeia do interior da China, de gente humilde, onde as pessoas tinham o simpático costume de dar nomes de partes do corpo humano para os filhos (daí temos situações como Chen Orelha, casado com a Wang Visícula, pais de Chen Nariz e Chen Sobrancelha rs). A tia de Corre Corre foi a primeira obstetra da vila onde ele cresceu. Logo, ela se tornou a mais requisitada parteira. Comunista, participava ativamente das atividades do partido que comandava o país. Certo dia, "tia" se apaixona por um piloto de aviões mas, durante a revolução comunista, ele trai o partido, fugindo para Taiwan. Esse acontecimento leva "tia" a sofrer humilhações de todo tipo. Talvez, por isso, e por ter ampla experiência como obstetra, ela é designada pelo governo como responsável pelo controle de natalidade em sua região. Era a chamada "política do filho único", onde um casal poderia ter apenas um filho. E, para garantir o cumprimento da lei, ela usará todos os mecanismos possíveis, o que inclui cirurgias de vasectomia e abortos (independente do tempo de gestação) a força. Nesse ponto, o relato encantador das memórias de Corre Corre tornam-se pesarosas e reflexivas.
Mo Yan, quando conquistou o Nobel, foi muito acusado por conterrâneos refugiados de ser defensor do partido comunista. Porém, pelo menos nesse livro, Yan não toma um lado, deixando para o leitor a liberdade de refletir sobre as ações. De certa forma, Mo Yan até critica o governo, principalmente na questão da corrupção, visto que a terrível política do filho único era aplicada com rigor aos pobres, mas os ricos conseguiam burlar a lei, pagando multas ou arrumando amantes estrangeiras. A escrita de Yan é leve, ainda que o relato seja, muitas vezes, triste e trágico. Por vezes, lembra muito o colombiano Gabriel García Márquez pela descrição de personagens e capacidade de contar histórias incríveis.
Ah, sobre o título do livro, no original em chinês é "Wa", palavra que pode significar tanto "rã" quanto "bebê". O porquê da analogia... só lendo a obra para descobrir.
(YAN, Mo: tradução de Amilton Reis. As rãs. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, 496 páginas)
P.S.: Resenha escrita em 2016.