Perdido no espaço

PERDIDO NO ESPAÇO

Miguel Carqueija

Resenha de “Invasores da sétima dimensão”, volume 1 (Jorge Luiz Calife).

Coleção Fantástica 4, novembro de 1999 (Edições Hiperespaço/Megalon).

Prefácio de Marcello Simão Branco. Capa de Cerito.

Apesar de todo o prestígio de Calife, iniciado na década de 80 com seu contato junto a Arthur C. Clarke e a publicação de dois romances (“Padrões de contato” e “Horizonte de eventos”) foi impossível para mim ler a presente novela sem irritação; seja pelos cacoetes de redação, seja pelo detalhe dos filmes, de que falarei a seguir.

No caso da redação, é evidente que o texto teria que ser revisado. Calife não sabe separar o diálogo do comentário feito pelo narrador onisciente. Alguns exemplos:

Página 26: — Certo chefe. Ela disse, batendo continência.

Redação correta: — Certo, chefe — ela disse, batendo continência.

Ou melhor ainda: “disse ela”.

Página 62: — Vou montar o tripé do laser. Disse Marcello, abrindo a pequena maleta que carregava.

Obviamente teria que ser assim: — Vou montar o tripé do laser — disse Marcelo, abrindo a pequena maleta que carregava.

Outro defeito grave é a inaptidão do autor em criar nomes fictícios de um passado situado em nosso futuro. A ação se passa no começo do século XXII, com a humanidade já se deslocando por todo o Sistema Solar e dominando avançadas técnicas astronáuticas. Em tal contexto uma raça alienígena sutil e imaterial, produto de imemorial evolução, aproxima-se do Sistema Solar e entra em contato com um casal de astronautas, Sandra e Marcelo. Tendo sondado a Terra desde meados do século XX e acessado a televisão e filmes (filmes exibidos na tv?), utilizam os ícones de tais mídias para estabelecerem a comunicação. Assim, desfila uma sucessão de efeitos palpáveis e apavorantes, até a luta entre King Kong e o tiranossauro. Nem os alienígenas, nem os terrestres parecem conhecer ou lembrar qualquer filme, ator ou cineasta que vá além do conhecimento do próprio Calife. Não há referência a qualquer filme ou personalidade dos séculos XXI e XXII, mas um autor de ficção cientifica deveria estar apto a tais citações fictícias.

É de fato constrangedor ver o citado casal mencionar sucessivamente Monica Vitti, King Kong, Guerra nas Estrelas, Truffaut, Antonioni, Claudia Cardinale, Woody Allen, Diane Keaton, Harrison Ford, Sandra Bullock, John Wayne etc. como se o cinema do século XX ainda pudesse ser tão familiar a pessoas do século XXII.

No mais a noveleta segue a linha habitual, “hard”, de Calife, com uma razoável visão do que poderia ser — ao menos em termos de colonização e transportes — uma civilização humana extrapolada pelo sistema, nos dias emocionantes de uma grande diáspora espacial e interplanetária. Pena que os diálogos sejam fracos e, com eles, a psicologia dos personagens.

Rio de Janeiro, 5 a 7 de outubro de 2009