O singular caso de Dom Casmurro

O SINGULAR CASO DE DOM CASMURRO
Miguel Carqueija


Resenha do romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Objetiva, CERED – Centro de Recursos Educacionais, São Paulo-SP. 1995, sem endereço (?). Prefácio: Fernando Teixeira de Andrade.

Um dos mais célebres romances brasileiros do século 19 e mesmo de todos os tempos, “Dom Casmurro” porém ressente-se de um estilo paulificante, obsoleto, onde o autor, falando na primeira pessoa (como o personagem Bento Santiago, o Bentinho) acumula cacoetes irritantes como escrever capítulos minúsculos (até com sete ou dez linhas) ou dirigir-se frequentemente aos próprios leitores. Também é impossível a gente se identificar com o personagem-narrador, que além de chato revela-se um paranoico, ciumento, a um passo da psicopatia.
O curioso é que Bentinho de início até atrai alguma simpatia ao narrar o seu amor de adolescente por Capitolina, a Capitu, sua vizinha. Um fator obstaculizava o romance: a mãe de Bento, Dona Glória, fizera a promessa de que o filho seria padre. Uma promessa injusta, que envolvia a cabeça e a vida de outra pessoa. Um agregado da família, José Dias, apoia secretamente Bentinho, mas mesmo assim o garoto se submete a ir para o seminário sem ter vocação alguma, e para escapar à esparrela vai depender dos esforços da própria Capitu, a garota dos “olhos de ressaca”, que aos poucos vai convencendo Dona Glória a desistir do seu projeto.
Só que Bentinho fizera amizade no seminário com certo Escobar, que também não tinha vocação. Os dois acabam se tornando advogados, Bentinho e Capitu se casam, Escobar casa-se com certa Sancha... para resumir, nasce Ezequiel, filho de Bentinho e Capitu. Escobar morre afogado e... Bentinho vai se convencendo que o filho não era seu, que Capitu o traíra com seu melhor amigo.
E toda a prova é a semelhança entre Ezequiel e Escobar — prova que nenhum tribunal aceitaria.
Eu já notei, não é de hoje, a falta de sensibilidade social de Machado que por sinal era mulato. Os escravos (era o tempo do Império) aparecem sem nome, sem voz, sem personalidade — são parte da mobília. Quanto ao título, é logo explicado, o que quer dizer, Machado acaba contando o fim pelo início.
E sabem quantos são os capítulos? 148! Num livro com menos de duzentas páginas!
“Dom Casmurro” gerou uma polêmica que dura até hoje: Capitu traiu ou não Bentinho? Para mim ela é inocente e praticamente não pôde se defender. Bentinho a exila com filho e tudo na Suíça, ocultando os motivos no Brasil. E a morte de Capitu, ainda jovem, permanece inexplicada. Machado de Assis preferiu resolver tudo pelo facilitário...

Rio de Janeiro, 25 de setembro de 2018.