Desonra, de J. M. Coetzee
Desonra
J. M Coetzee
4° edição
Companhia das Letras, 2000
Tradução de José Rubens Siqueira
Tudo começa com um flerte entre um professor universitário e uma aluna; pelos planos de David Lourie seria mais uma aventura amorosa em sua coleção, no entanto, o caso toma contornos avassaladores quando a jovem aluna denuncia David por assédio (ou é coagida/convencida a denunciar). David, até então, mantinha encontros regulares com uma prostituta mas esta o dispensa e muda radicalmente de vida. Na outra ponta da trama estão sua ex-mulher e sua filha Lucy: lésbica e que vive como camponesa numa fazenda arrendada. Entra, também, na trama uma amiga de Lucy em quem David vê a personificação da falta de atrativos físicos e com quem vive um improvável, e clandestino, romance.
O livro transcorre sobre a luta de David para entender e se conectar a este mosaico de mulheres, cada uma com sua complexidade e história de vida. Ele tão prático nas questões da vida (pago logo recebo, flerto e consigo uma amante, não preciso dar explicações), perde-se ao entrar em contato com dramas do mundo feminino: assédio, abuso sexual, violência por parte dos homens. David entra numa espiral de acontecimentos que o marcam profundamente, alterando levemente sua concepção de convivência social.
O livro é ambientando na África do Sul, um caldeirão de tensões étnicas e sociais, o que reforça ainda mais a deriva de David. Mesmo não tocando diretamente no assunto racismo, fica claro no livro a parca comunicação entre brancos e pretos. De um lado Petrus, homem negro que fala em inglês por monossílabos e frases com David e Lucy e utiliza um idioma local para falar com seus parentes; de outro lado David e Lucy que vêm em Petrus o negro taciturno que se recusa a ser eloquente para não revelar seus planos.
Interessante notar que um professor de comunicação poliglota, David Lourie, tenha tanta dificuldade em entender e ser entendido. Aí é onde reside o contra-ponto que sustenta toda a narrativa. Comunicar é mais do que dizer ou decodificar termos gramaticalmente; também são gestos, olhares, posturas, importações de voz.
O livro traz ainda importantes debates da pauta feminista, mesmo narrado do ponto de vista de um homem, como a opção por um aberto e a questão do estrupo. Mas não espere respostas fáceis e nem discursos politicamente corretos, porque o livro provoca mais do que apazigua.