"Três meses no século 81", de Jeronymo Monteiro

TRÊS MESES NO SÉCULO 81, DE JERONYMO MONTEIRO

Miguel Carqueija


(Livraria do Globo (de Porto Alegre), Coleção Aventura 10, 1947; ilustrações de João Mottini)


Grande clássico da ficção científica brasileira, este romance apresenta a curiosidade de colocar o próprio H.G. Wells como personagem e evidentemente encontra em “A máquina do tempo” a sua grande inspiração. O personagem central, Campos, atravessa o tempo em espírito, numa operação mediúnica, incorporando no corpo de certo Loi, no século 81, e se choca com a imensa transformação que a humanidade sofreu. Reparem neste trecho (página 132) que parece já ter sido escrito no tempo da internet: “Depois que foram aperfeiçoados os nossos aparelhos de transmissão e recepção a distância, os livros, os jornais e todos os antiquados meios de divulgação e cultura se tornaram inúteis”.
É com brilhantismo que o autor, num estilo seguro e atraente, penetra na falácia de uma civilização aparentemente perfeita — não há mais fome, nem guerras, nem miséria, todos têm o seu lugar na sociedade — mas que esconde uma grande insanidade (a eliminação de todos os micróbios destruíra a imunidade, reduzindo a expectativa de vida, e a troca
da nutrição oral pela venosa, tornando inútil o aparelho digestivo, condenara a raça à futura extinção), constituindo portanto uma autêntica e notável distopia, logo anterior à célebre “1984”, de George Orwell.
Jeronymo Monteiro (1909-1970) manteve uma atividade prolífica e criativa durante muitos anos. Foi um dos primeiros patrícios a escrever ficção científica com habitualidade, assinando vários livros do gênero e produzindo programas radiofônicos. É de sua autoria “Fuga para parte alguma” (GRD, 1961), que se passa em futuro ainda mais longínquo e onde se fazem referências a “Três meses no século 81”. Ele é também o autor (sob o pseudônimo de Ronnie Wells) da Coleção Dick Peter, onde mistura policial e ficção científica.
Contudo, entre os muitos livros publicados a partir de 1930, “Três meses no século 81” se destaca pela visão audaciosa (ilustrada, por exemplo, na descrição das estradas do futuro) e minuciosa de uma sociedade diferente, a começar pela mentalidade estranha aos nossos costumes. Há, certamente, um elemento que fica no ar: uma explicação para o relacionamento amoroso entre Campos e a revolucionária Ilá: “Havia uma tal afinidade entre os nossos espíritos que uma voz interior e vaga me dizia ser ela a minha companheira — uma companheira eterna, que eu sempre conhecera e sempre amara, através das idades.” Mas o autor não aprofunda esse aspecto metafísico. O conjunto da história é muito rico e complexo e merece uma leitura atenta e cuidadosa.

Rio de Janeiro, 2 de outubro a 8 de novembro de 2004.