O Profano e o Sagrado (Resenha do Livro o que é religião de Rubem Alves)
O Profano e o Sagrado
Resenha Crítica
ALVES, Rubem. O que é religião? São Paulo. Ed, Loyola. 13ª Edição. 2012
O livro “O que é religião”, escrito por Rubem Alves, propõe uma reflexão acerca do sentido da religião, tanto para o ser humano, quanto para a sociedade.
O autor demonstra caminhos diversificados, sejam eles filosóficos, antropológicos ou sociológicos para o que é religião. Ele inicia com um breve panorama histórico da época. Demonstrando que o contexto social se baseava na religião e no encanto que ela gerava nas pessoas, onde raros eram os descrentes ou sem religião, retratando a busca pelo sentido da vida. Como nos diz Rubem Alves ‘’ O universo físico se estruturava em torno da alma humana’’. A busca do ser e o seu esforço para pensar a realidade toda a partir da exigência de que a vida faça sentido.
Com o avanço da ciência e da tecnologia o cenário mudou, a religião deixa de ocupar o lugar principal nos grandes centros políticos e acadêmicos. E gera a seguinte questão: Como cientistas que defendem a rigorosidade do método científico, podem tirar conclusões acerca da religião sem ter tido antes a experiência religiosa.
O que ocorre com frequência é que as mesmas perguntas religiosas do passado se articulam agora por meio de símbolos secundários. E que, no fundo, apresentam as mesmas perspectivas religiosas do passado. O conhecimento e as atividades do homem moderno por mais privadas que estejam da linguagem religiosa, ainda buscam responder às questões acerca de sua existência.
A proposta do autor é que o estudo da religião não deva ser de forma isolada com grupos sociais restritos e separados, antes deve ser como um espelho em que nos vemos. Aqui a ciência da religião é também a ciência de nós mesmos. Como diz Feuërbach: ‘’ A religião é solene desvelar dos tesouros ocultos do homem, a revelação de seus pensamentos íntimos, a confissão aberta de seus segredos de amor.
Como diz Camus “O homem é a criatura que se recusa a ser o que ela é”. É a busca dos horizontes e nesse contexto que Rubens Alves trabalha essa perspectiva do ser (na pretensiosa tentativa de transubstanciar a natureza) são os desejos e as perspectivas. Podemos observar que o livro nos leva a um mundo de questionamentos através visões diferenciadas.
A obra em questão, ao tratar de seu assunto principal, foi enriquecida com o pensamento de outros estudiosos como: Durkheim, Marx, Feuërbach e Freud.
Os símbolos da ausência: O autor inicia o capítulo fazendo uma comparação entre os animais e o homem. Descreve como os animais conseguiram sobreviver ao longo de milhares de anos, suas adaptações ao meio-ambiente e como, diferentemente do homem, eles conseguem sobreviver a milhões de ano. Sem que haja mudanças drásticas, eles apenas seguem seus extintos.
Os seres humanos diferenciam-se dos animais por não se limitarem a existir apenas, vai além de um corpo, pois é um ser racional, de pensamento e que tem desejos. Rubem Alves demonstra que o desejo é como o sintoma de privação da ausência. O ser humano, ao se deparar com a ausência, deseja, e com isso imagina, criando assim seus símbolos e consequentemente a religião. Que nasce da tentativa de transubstanciar a natureza.
O capítulo permite ao leitor entender a importância dos símbolos para os homens e o motivo da criação deles. Que é para responder aos questionamentos que temos acerca da nossa existência: Para aonde vamos? De onde viemos? Qual o sentido da nossa vida? Sendo assim, a religião vem da vontade e do “poder” do homem de dar nome às coisas da natureza, tornando até a menor das pedras algo sagrado e poderoso através da imaginação e da necessidade de obter explicações sobre a vida mundana.
O exílio do sagrado: Nesse capítulo, Rubem Alves comenta as diferenças existentes entre as coisas do mundo humano e as coisas que constituem a natureza e, diz que “as coisas da natureza são independentes da vontade do homem”. Faz uma narrativa sobre os símbolos vitoriosos e os símbolos derrotados e a importância dos símbolos sagrados vitoriosos na Idade Média.
Na idade média Deus era o tema central da vida das pessoas. Tudo girava ao seu redor os símbolos eram sólidos. Uma civilização que se manteve assim por séculos. Os símbolos haviam alcançado tamanha importância na vida dos homens, que eles fundilharam a visão de mundo dos hebreus e cristãos com as dos gregos e romanos.
Até aquele momento Deus era o centro, porém os homens começaram a transcender essa visão em nome do princípio da utilidade, uma nova classe social surge: a burguesia que por interesses econômicos próprios, visam desaparecer com o sagrado, fazendo tudo que lhe pertence parecer inútil. Apresentava uma nova visão de mundo baseada na utilidade, que só reconhece o lucro.
Como consequência o mundo não passou a ser mais guiado pelo sagrado.
O homem teria agora que gerar riqueza e bens. Rubem Alves encerra o capítulo tecendo comentários sobre a trilogia riqueza, economia e religião.
A condenação do sagrado era exigida pelos interesses da burguesia, a religião representava o passado e a ciência, por sua vez, alinhava-se ao lado dos vitoriosos, por isso: a ciência era a verdade. A ciência exigia a submissão do pensamento, a rigorosa objetividade, a subordinação do pensamento ao dado, portanto, a religião passa a ser taxada de discurso desprovido de sentido e o passado medieval de Idade das Trevas.
A coisa que nunca mente: Alves, explica o significado das coisas, fazendo breves comparações e como essas coisas podem ser transformadas em símbolos e significados.
Na idade média o que importava era a significação que se dava as coisas, estudava-se, portanto o universo e as coisas buscando entender seu significado, no entanto, o autor destaca que: o avanço científico surge a partir do momento em que a ênfase é dada ao que as coisas são de fato e não o seu significado.
Rubem nos faz refletir sobre os filósofos da Idade Média e os filósofos empiristas/positivistas que avaliam a religião como algo descartável, que logo irá desaparecer, já que há um enorme avanço no conhecimento científico. Porém, ao contrário do que eles pensavam isso não ocorreu. A reflexão teológica culminou com a revolução sociológica. Ao afirmar: “considere os fatos sociais como se fossem coisas”, Durkheim instaura um novo mundo de compreensão da religião e quando ele buscava explorar a religião, na verdade, ele estava procurando investigar e chegar a conclusões sobre as próprias condições para a sobrevivência da vida social.
Ao dizer que o discurso religioso é desprovido de sentido, os empiristas ignoraram a religião como fator social e se concentraram nos discursos que aparecem junto a ela, cometendo assim um equívoco. Também erram aqueles que buscam julgar a religião como falsa, segundo Durkheim a religião é um fato, por isso os julgamentos de verdade e falsidade não podem ser a ela aplicados.
Começamos então a perceber que a religião é um fato social, que a religião emerge do social e que a religião é signo do social.
O autor nos revela um universo que se divide entre o sagrado e profano (aquilo que é proibido). Dois mundos que devem ser sempre separados, apesar de estarem muito próximos;
Segundo o autor, sagrado e profano não são propriedades das coisas, mas se estabelecem pelas atitudes dos homens perante as pessoas, o tempo e o espaço.
No profano não existe os permanentes, pois ele é um ciclo de coisas utilitárias. Já o Sagrado transgrede o critério de utilidade, quando o sagrado é colocado como o criador, a origem da vida, a esperança e força a fonte dos homens. Sendo a solução para todos os questionamentos humanos.
Podemos então dizer que quando a secularização avança e o utilitarismo se impõe na sociedade, está se estilhaça sob a pressão das forças do individualismo, por isso a religião é uma das condições para a sobrevivência da vida social.
A sociedade é o “Deus” que todas as religiões adoram, ainda que de forma oculta, escondida aos olhos dos fiéis, para estes pouco importa se suas ideias sejam corretas ou não, pois a essência da religião não é a ideia, é a força, o sagrado não é um círculo de saber, mas um círculo de poder. Para Durkheim a certeza de que a religião era o centro da sociedade era tão grande que ele não podia imaginar uma sociedade totalmente profana e secularizada, a religião pode se transformar, mas nunca desaparecerá. Ele percebe que a consciência do sagrado, só aparece em virtude da capacidade humana para imaginar, para pensar um mundo ideal. E ele conclui reconhecendo um vazio e anunciando uma esperança: ‘’ os velhos deuses já estão avançados em anos ou já morreram e outras ainda nasceram.’’
As contribuições de Durkheim, na sua abordagem relacionada ao fenômeno religioso. Podemos refletir quando ele diz que “a religião não é somente um sistema de ideias, é antes de tudo um sistema de força, sua função é criar coesão e que a categoria fundante da religião seria a categoria do sagrado”.
As flores sobre as correntes: Marx versus Durkheim.
Nesse capítulo Rubem Alves nos mostra um Durkheim preocupado na exploração do universo religioso e um Marx preocupado com as mazelas sociais, mas relacionando-as ao lucro obtido pela burguesia em detrimento do operariado.
Ambos os pensadores analisaram a religião sob o ponto de vista sociológico.
Inicialmente ele mostra um Durkheim em busca das origens da religião mais simples e primitiva que se conhecia. Para tentar compreender o presente, Durkheim mergulha no passado em busca de respostas do mundo sacral.
Durkheim propunha que a religião não pode ser negada, pois, é um fato. Ao explorar a religião, ele investigava as condições para a existência da vida social, aliás, a religião era o centro da sociedade.
Para alguns filósofos, a religião era a principal culpada por todos os problemas sociais da época. Mas como? Se ela não fazia diferença alguma.
Karl Marx, destaca-se a sua visão materialista, e o rompimento com os símbolos do sagrado na construção de uma sociedade utópica, liberta da alienação da vontade própria no trabalho.
Para Marx o homem faz a religião e não a religião que faz o homem. Quem é esse homem? Ele é um corpo que tem necessidades como: comer, vestir produzir. Para ele aí está a grande contradição do capitalismo. O capitalismo cresce graças a uma condição que tem em torno de patrões e trabalhadores que será inevitável. O problema não é de natureza moral ou psicológica, nenhum salário por maior que seja eliminará a alienação. E é nesse momento que surge a religião, em parte para acabar com os cantos escuros do conhecimento, aquela que vem para terminar com o sofrimento, com a dor, ela que consola os que sofrem. Como pretende iluminar? Iluminar com ilusões que consolam os fracos e legitima os fortes e é por isso que Marx diz que “a religião é o ópio do povo”, ou seja, “felicidade ilusória do povo”. Acreditar se que as situações “eram vontade de Deus” confortava as duas classes, cada qual por suas razões. Marx propunha que a religião era resultado da alienação e que aquela acabaria em decorrência desta. Ele desconhecia esse mundo sacral. Desconhecia os valores morais e espirituais e somente conhecia a ética do lucro e da riqueza. . Depois de um tempo analisou a religião através de outra perspectiva e viu que a religião não tinha culpa alguma e que a culpada eram as falsas ideias que atormentavam as cabeças dos homens, fruto da alienação. Marx não estava preocupado com isso e sim com as forças que realmente movem a sociedade.
Acredito que a religião de certa forma é um instrumento força para aqueles que perderam tudo e não tem mais em que se agarrar. Ela nos conforta e nos dá esperança de um futuro melhor mesmo que seja após a morte.
A voz do desejo:
Feuërbach versus Freud
Ambos concordam que a religião é fruto do desejo humano.
Somos seres atormentados por uma guerra interna sem fim, chamada neurose, na qual somos nossos próprios adversários e que tais desejos são muito fortes. Entretanto, a psicanálise afirma que, se é verdade que a essência da sociedade é a repressão do indivíduo, a essência do indivíduo é a repressão do ser.
Ludwig Feuërbach disse ser a religião apenas um sonho. Por isso mesmo seria a verdade do coração humano, a essência dos homens, que não podem revelar seus desejos porque estão “controlados” pela sociedade, que prega a ordem. E que, portanto, deveríamos compreendê-la da mesma forma como analisamos os sonhos. Os sonhos estão relacionados com os desejos de todos nós. E é nessa turbulência que nasce a religião. As religiões são ilusões que tornam a vida mais esperançosa, mais suave, mais prazerosa, os mais fortes e urgentes desejos da humanidade. A religião afirma a divindade do homem.
Freud, por sua vez, afirmou ser no inconsciente que a religião nasce, como mensagem do desejo. No entanto, Freud diz que esses desejos devem ser reprimidos.
Os filósofos do movimento empiristas/positivistas acreditavam que a religião não ia além de um discurso sem sentido. De uma forma diferenciada que a exposição de Marx e Durkheim, novamente a religião aparece como sendo aquilo que conforta o homem. Antes ligado com a situação social, mais externo, porém aqui de forma mais subjetiva, interna ao ser.
O Deus dos oprimidos: Mostra-nos como o discurso religioso que é expresso de maneira diferente entre as classes sociais. Com os profetas se instalou um novo tipo de religião, de natureza ética e política, e que entendia as relações dos homens e de Deus tem que passar também pelas relações dos homens. Os profetas denunciavam as injustiças, pois perceberam que muitos comentam atrocidades em nome de Deus., eram opressores de seu povo. Acusavam até mesmo os sacerdotes de serem enganadores do povo e falsos profetas. Os profetas diziam que Deus era justiça e misericórdia e que, portanto, não era um Deus opressor de seu povo.
Sonhavam com uma sociedade justa e igualitária para todos os povos, com muita harmonia. O que podemos concluir é que tudo depende das pessoas que manipulam os símbolos sagrados e sua postura perante á ele. No caso dos profetas muitos morreram por denunciar as injustiças, porém foi instrumento de libertação dos oprimidos.
A aposta: O autor questiona os parâmetros adotados pela ciência e indaga: “não haverá um dever de honestidade a nos obrigar a ouvir a religião, até agora silenciosa?” Seria então um questionamento a ser discutidos pelos acadêmicos e estudiosos da religião e da sociedade.
O ser humano deste que mundo é mundo tem se perguntando qual o sentido da sua vida? De onde viemos e para aonde vamos? Depois da morte existe vida? E nesse momento que se apaga a religião, a fim de que sua existência tenha uma continuidade e não termine ali., pois quando não se tem uma religião. Tudo acaba ali e então qual seria o sentido da vida?
Pode se através dela aliviar suas dores e desamores. Por outro lado, deve-se tomar cuidado com a intolerância seja ela religiosa ou não. Em nome de ideias e de visões religiosas distorcidas muitas pessoas acabam cometendo verdadeiras atrocidades.
A marca da religião é a esperança de dias melhores como Ernest Bloch: “Onde está a esperança, ali também está a religião”.
Considerei um livro bem escrito pelo autor, porém como todo livro com um assunto mais denso deve ser lido e relido várias vezes. O livro trouxe outros aspectos da religião que me fizeram refletir acerca do sagrado e do profano.
A obra traça um paralelo sobre a experiência religiosa nos tempos passados e nos tempos atuais. Podemos ver este cenário na Idade Média, onde as pessoas viviam sua religiosidade ativamente, porém coma chagada do pensamento utilitário esse contexto mudou. Os interesses próprios forma colocados em primeiro lugar visando assim o lucro e a própria satisfação. Nesse momento a ciência passa a progredir, com o método científico, e a perde espaço.
Rubem mostra que a religião está mais viva do que nunca. Deus ganha novos nomes e novos títulos, porém continua com os mesmos problemas individuais e sócias ‘’, ou seja, as pessoas ainda buscam repostas para seus questionamentos’’.