O peso da culpa
Dentre as muitas boas obras literárias que abordam o horror vivido nos campos de concentração mantidos pelos nazistas, A escolha de Sofia, um belíssimo e trágico romance escrito por William Styron que posteriormente foi adaptado para o cinema, dando origem a um filme magistral protagonizado por Meryl Streep (numa atuação intensa e comovente), merece destaque por mostrar como, ainda que tenhamos escapado de experiências angustiantes, a angústia persiste em nos acompanhar. Outro ponto fortíssimo do livro é o fato dele falar sobre a maldade e questionar se é possível mantermos nosso princípios éticos em momentos cruciais. Também devemos mencionar que o romance aborda, com invulgar profundidade, o peso da culpa, a qual pode nos impedir de ser felizes em qualquer circunstância.
A história se passa nos Estados Unidos, no período pós-guerra, e é narrada em primeira pessoa por Stingo, jovem sulista e aspirante a escritor que busca um rumo para sua vida, decidindo passar um tempo numa pensão no Brooklyn.
Logo, Stingo trava conhecimento com Nathan, homem inteligente, intenso e carismático e com sua namorada, Sofia, bela polonesa sobrevivente dos campos de Auschiwitz, ficando imediatamente atraído pela personalidade magnética de Nathan e pela beleza da polonesa. Nathan rapidamente se torna uma espécie de irmão mais velho para Stingo, que passa a acompanhar o singular casal em muitas de suas peripécias.
Porém, o relacionamento aparentemente idílico logo revela que há mais sob a superfície, lançando sombras sob a pessoa de Nathan, que às vezes se torna violento e agride Sofia. Stingo, à medida que se envolve com ambos, vai tomando conhecimento de terríveis segredos sobre Nathan e Sofia.
Sofia, sobrevivente do regime nazista, vai pouco a pouco falando sobre sua vida antes de ir para os Estados Unidos, dando a Stingo detalhes sobre como o crescimento do nazismo abalou sua vida na Polônia, destruiu seu mundo, família e até suas crenças. A partir do seu relato, Stingo e nós vamos vendo como o avanço do nazismo, prisão nos campos de concentração e situações extremas podem levar as pessoas a tomar as mais terríveis decisões para que consigam sobreviver. Isso nos obriga a refletir sobre se somos capazes de lutar até o fim pelo que acreditamos ou se, para nos manter vivos, somos capazes de tudo.
Tais são as questões éticas levantadas neste livro magnífico que, ainda que não-linear, pois ora somos brindados com revelações do passado de Sofia para entender sua atual situação, é perfeitamente compreensível com sua prosa detalhista e bem-elaborada.
Acompanhar o drama de Sofia nos obriga a pensar sobre a existência do mal e a monstruosidade de um regime que perseguiu seres humanos ao instaurar uma política cruel e insana. Ler o livro nos põe em contato com nossa própria condição humana, o remorso, a dor e o desespero, forçando-nos a admitir que não podermos julgar quem agiu de determinada forma numa circunstância de extrema pressão. Além disso, ao nos perguntarmos se daria para ter agido de outra maneira e como teria sido se houvéssemos feito outra escolha, vemos que não dá para saber se as coisas teriam sido diferentes.
Enquanto lemos A escolha de Sofia, drama pungente sobre uma mulher que não é heroína, mas alguém como nós, um ser humano que de repente se viu mergulhado numa espiral de incerteza e medo, forçado a se adaptar a algo que não podia entender ou controlar, vamos nos envolvendo com seu sofrimento. Nossa empatia cresce porque, ainda que ela tenha se libertado dos campos de concentração, toda a crueldade e horrores vividos permanecem incorporados nela, que sofre enorme culpa por causa do que fez para sobreviver e não consegue ser feliz, principalmente devido ao fato de sua relação doentia com Nathan contribuir para sua desagregação interna.
Enfim, A escolha de Sofia é um livro que marca indelevelmente quem o lê, pois todas as questões que levanta permanecem em nós, ensinando-nos que todas as perguntas que movem o ser humano e a existência muito provavelmente estão fadadas a permanecer sem respostas. Qualquer explicação que tentemos dar sempre parecerá superficial e insuficiente para todos os dramas vividos por Sofia e tantos outros que passaram por aquele horror.