Notes of Underground
O narrador autodiegético vive no subterrâneo de sua reclusão social. Órfão desde a infância; buscou nos estudos, desvencilhar-se dos motejos dos colegas do ambiente escolar que o faziam se sentir desprezado.
Averso à socialização e interação com as pessoas que o cercavam, enclausura-se no subsolo de idéias e sentimentos paradoxais. De lá, reduzido à condição de camundongo, ficava a observar de baixo para cima, os homens de ação. No entanto, sentia que estava acima dos habitantes desse mundo, e não era reconhecido em suas qualidades que o tornavam um homem, no mínimo, igual aos demais.
“Eu, por exemplo, triunfo sobre todos; todos naturalmente ficam reduzidos a nada e são forçados a reconhecer voluntariamente as minhas qualidades, e eu perdoo a todos. Apaixono-me sendo poeta famoso e gentil-homem da Câmara Real, recebo milhões sem conta, imediatamente, faço deles donativos à espécie humana e ali mesmo confesso, perante todo o povo, as minhas ignomínias, que, naturalmente, não são simples ignomínias, mas encerram uma dose extraordinária de “belo e sublime”, de algo manfrediano”.
Dostoievski, Fiódor. Memórias do Subsolo. São Paulo: Editora 34, 2009 (6ª edição) p.72
Durante toda a narrativa, a personagem que a narra não tem nome. Apenas, seus supostos algozes; estes com essa característica por projeção, pelo próprio narrador, de sua autocomiseração em direção aos demais personagens.
O narrador cita MANFREDO de George Byron em que se nota a sua correlação consciente com essa personagem que também vivia nos extremos paradoxais. Parecidos com o deus Prometeu que por entregar fogo da inteligência aos homens, fui punido em passar a eternidade com o fígado sendo dilacerado por uma ave de rapina. O Narrador está no subsolo (Hades), ou inconsciente (onde estão arquivados pensamentos, sentimentos e ideias em desconformidade com o mundo socialmente regrado em que vive o consciente), em que ele é Prometeu, tentando compartilhar sua inteligência com o gênero humano (entendendo que estes o rejeitam). Contudo, suas ignomínias (algumas imaginadas por ele) se concretizam na ave de rapina que o dilacera continuamente.
E na primeira linha da narrativa (p.15) percebe-se:
“Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel de minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo”.