"O Camarada O'Brien", texto expandido

“O CAMARADA O’BRIEN”, TEXTO EXPANDIDO
Miguel Carqueija


Faz alguns anos o advogado e escritor Roberval Barcellos, residente no Rio de Janeiro, publicou em formato de bolso, pelas Edições Hiperespaço (livros amadores lançados por Cesar Silva) a noveleta “O Camarada O’Brien”, uma continuação livre do monumental romance “1984”, de George Orwell. Por força das circunstâncias (a limitação de tamanho) Roberval teve de condensar um pouco a história. Em 2016, pela editora virtual e de demanda Agbook, o autor republicou a obra agora com o tamanho que deveria ter.
Para quem não conhece o livro de Orwell, “1984” é um romance de fôlego escrito pouco antes da morte do autor britãnico ocorrida em 1950. É um verdadeiro alerta à consciência moral da humanidade, mostrando o que seria o mundo onde não houvesse mais nenhuma espécie de democracia e todos vivessem sob regime totalitário e sujeitos à constante espionagem do “deus-Estado”. Por toda parte as teletelas vigiam a intimidade dos cidadãos, não há lugar para a alegria, a espontaneidade, vivem todos sob tensão e em clima de mútua desconfiança. Os que caem em desgraça tornam-se “impessoas”, são presos, submetidos a torturas e “vaporizados” (eliminados). Isso na Oceânia, uma das três grandes potências que dividem o mundo e o mantém sob controle através da guerra permanente. Apesar do nome Oceânia pega a Inglaterra, as Américas e algumas outras terras. As outras potências são Eurásia e Lestásia.
A Oceânia é governada pelo misterioso “Grande Irmão”, um ditador que ninguém vê, mas está sempre supostamente “velando” pelo país.
Nessa continuação livre de Roberval há uma reviravolta no “affair” entre Winston, protagonista do livro de Orwell, e O’Brien, seu algoz. Quem leu o romance “1984” sabe que Winston Smith, cidadão da Inglaterra, na Oceânia, era um funcionário do Partido Externo e que, levado pelas lembranças do passado recente — que o “duplipensar” do regime vigente e sua manipulação dos fatos tende a fazer esquecer — e pelos seus raciocínios, ainda mantinha certas noções e se torna secretamente um rebelde, um dissidente desse regime. Preso junto com sua amante Julia, sofre uma lavagem cerebral nas mãos de O’Brien, agente do Partido Interno, e por fim passa a amar o Grande Irmão e trai Julia.
Como explica Roberval em sua sequência:
“O’Brien era um produto da ala mais radical e intolerante do Partido que estava dentre aqueles que propunham uma pureza quase doentia, uma fé inabalável na Revolução e cujas atitudes extremadas levaram o mundo a toda sorte de golpes de Estado e contra-revoluções.”
Há, em “O Camarada O’Brien”, uma perfeita consonância com o clima opressivo e insuportável de “1984”, perfeita a viagem de avião para Nova York, com O’Brien e demais delegados viajando num alucinante silêncio, ainda que se conhecessem. O regime totalitário acaba com a naturalidade entre as pessoas.
Excelente o achado de imaginar um golpe efetuado pela Polícia do Pensamento e a cooptação de Winston pelo movimento eis que, já pervertido e “convertido” ao sistema, ele se torna o agente ideal da nova ordem (mais uma) que será imposta.
A narrativa é sóbria, sem espaço para o humor e respeitosa em relação à obra-prima de George Orwell.
Leitura recomendada.

Rio de Janeiro, 4 a 14 de maio de 2017.