MEU CASO COM STENDHAL

Aos vinte e cinco anos, com um francês de vestibular, mas cheio de pretensões, adquiri um exemplar de "Le rouge et le noir", de Stendhal, e pus-me a lê-lo. Logo no terceiro capítulo (e olha que são capítulos curtinhos), desisti. Mas mantive a intenção de voltar a lê-lo quando dominasse o francês. Trinta e sete anos depois, meu francês regrediu (hoje não daria nem para o vestibular), mas minha pretensão também. Tendo passado por um grande susto e adquirido a consciência de quem nem tudo pode esperar, pois amanhã pode ser tarde demais, me conformei com a leitura, em português mesmo, de "O vermelho e o negro". Mais de 600 páginas deliciosas, traduzidas por Raquel Prado, que mostram a vida numa França conturbada da primeira metade do século XIX. Uma sociedade estamental crudelíssima, em que, mesmo com a experiência republicana (depois o consulado, a volta da monarquia e a república de novo), a cultura dos estamentos se mantinha firme e forte, excluindo e rechaçando tudo e todos que não pertenceram ao clero ou à nobreza. Pobre do protagonista, Julien Sorel, que sintetiza toda a dor e o sofrimento dos que não possuíam algum vínculo com um desses dois estamentos. De certa maneira, o sentimento e a experiência do próprio Henry-Marie Beyle (Stendhal), que teve uma existência frustrada e uma obra que só foi devidamente reconhecida quando ele já estava morto.

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 23/01/2018
Reeditado em 23/01/2018
Código do texto: T6234416
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