Encontro com Arthur C. Clarke

ENCONTRO COM ARTHUR C. CLARKE
Miguel Carqueija


Posso dizer que Arthur C. Clarke é um escritor que acompanhouna minha vida inteira.
Creio que o primeiro texto que dele li foi “A Estrela de Belém ainda brilha?”, um interessante artigo de divulgação científica saído numa velha revista “Seleções”, quando eu era criança. E algum tempo depois li o belo volume “A exploração do espaço”, editado no Brasil pela Melhoramentos, dentro da estante “Cultura e Ciência”.
Sim, pois Clarke não era somente contista e romancista de ficção científica: era cientista e divulgador científico.
No citado livro ele explica em riqueza de detalhes e grande presciência como seria em linhas gerais a exploração e como se poderia viver dentro de espaçonaves e plataformas cósmicas. Os problemas da gravidade (ausência dela ou sua produção artificial) e da geometria interna desses veículos são abordados com brilhantismo, é um livro que dá gosto ler e que eu li várias vezes ao longo de décadas.
Pois bem, tais questões de gravidade e geometria aparecem neste romance “Rendezvous with Rama” (Encontro com Rama), que saiu em 1991 pela Editora Nova Fronteira (Rio de Janeiro) mas cuja edição original inglesa é de 1973. A tradução, que me pareceu muito boa, é de Leonel Vallandro, e a capa de Rolf Gunther Braun.
Temos aqui o tradicional salto para o futuro, quando, em 2130, chega ao sistema solar um estranho corpo celeste, um asteroide oco com 40 quilômetros de diâmetro, que parece se dirigir ao Sol. O Conselho Espacial envia uma nave para estudar o objeto que foi nomeado como Rama, nome hindu. O Comendante William Norton logo descobre que Rama é uma estrutura artificial, criada sem dúvida por desconhecidos alienígenas extra-Sistema Solar.
“Seu corpo era um cilindro de tal perfeição geométrica que era como se tivesse sido trabalhado num torno — um cilidro com os centros das bases separados por uma distância de cinquenta quilômetros. As duas extremidades eram perfeitamente planas, com excessão de algumas pequenas estruturas no centro de uma das faces, e mediam vinte quilômetros de diâmetro. De longe e na ausência de uma noção de escala, Rama tinha uma parecença quase cômica com um bóiler doméstico ordinário.” (cap. 3).
Como se vê, era ainda maior que o cálculo inicial.
Posso estar enganado, mas acredito que Clarke leu o clássimo romance “A nuvem negra” (The black cloud), do astrônomo inglês Fred Hoyle e que foi lançado em 1957. Existem alguns pontos em comum. Uma estrutura alienígena aproxima-se do Sistema Solar: no primeiro caso uma nuvem cósmica dotada de vida, no segundo uma nave-mundo, com estranhos habitantes não-racionais mas evidentemente criados por desconhecidos entes racionais. Nos dois livros surgem poderes hostis aos visitantes. Em todo caso os detalhes são muito diferentes.
Pode-se observar que Clarke elabora menos os seus personagens que Hoyle. Clarke focaliza muito a parte técnica e menos a psicológica, ainda que seus personagens sejam convincentes. Mas o grande protagonista da obra é certamente o mundo de Rama. As surpresas deste desconsertante planetoide artificial perpassam a narrativa escorreita e sóbria de Clarke.
“Este era um mundo estéril, pelos testes mais sensíveis que o homem lhe podia aplicar. Mas agora estava acontecendo uma coisa que não podia ser explicada pela ação de forças naturais. Talvez não houvesse vida ali, mas podia haver consciência, percepção; robôs podiam estar despertando após um sono de milhões de anos” (cap. 18).
“A razão disso, naturalmente, é que Rama não teve tempo de esquentar. Deve ter esfriado a uma temperatura próxima do zero absoluto — duzentos e setenta graus negativos — enquanto se encontrava no espaço interestelar. Agora, à medida que se aproxima do Sol, o seu casco exterior já está quase tão quente como o chumbo fundido. Mas o interior continuará frio até que o calor tenha atravessado aquele quilômetro de rocha” (cap. 14).
“Jimmy caminhou entre os cristais e colunas até chegar à primeira encruzilhada. O quadrado à esquerda era um enorme tapete de arame trançado; procurou soltar um fio, mas sua força não bastou para rompê-lo. À esquerda havia um mosaico de tijoletas hexagonais, tão bem embutidas que não se podia ver as juntas. Daria a impressão de uma superfície contínua se as tijoletas não tivessem todas as cores do arco-íris” (cap. 30).
Uma coisa é certa: a narração de Clarke é vívida, descritiva, minimalista, cinematográfica. Que poder narrativo ele tem, quando a gente esbarra a toda hora com escritores (?) que não sabem narrar uma cena banal e a reduzem a um resumo.
E Arthur C. Clarke tem, também, a perfeita noção de que “a vida continua” e seu romance não é conclusivo, deixando ao final até mais incógnitas que descobertas.
Leitura que recomendo com entusiasmo.

Rio de Janeiro, 13 a 20 de novembro de 2014.