Resenha crítica - A escrita por Cagliari
RESENHA CRÍTICA - A ESCRITA
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. 8. Ed. São Paulo: Scipione, 1995, p. 114 - 146.
FREIRE, Jeswesley Mendes.
O terceiro capítulo do livro Alfabetização e linguística de Cagliari (1995) trata da questão da escrita principalmente no processo de alfabetização. O autor questiona como os métodos de alfabetização podem interferir de forma negativa na produção de texto por parte da criança e faz uma análise de erros cometidos por alunos nos anos iniciais da alfabetização.
O autor afirma que a escrita objetiva a leitura, e aborda a questão da produção de texto no processo de alfabetização. Cagliari (1995) analisa que na história da escrita podemos caracterizá-la em três fases diferentes: a pictórica, a ideográfica e a alfabética, dividindo o seu sistema em 2 grupos, primeiro, aqueles baseados no significado (escrita ideográfica) e segundo, os baseados no significante (escrita fonográfica). Para o autor, o ritmo de leitura e de aprendizagem varia de acordo a bagagem e a habilidade linguística de cada aluno e que o professor deve reconhecer esses ritmos para incorporá-los à sua prática pedagógica.
O sistema de escrita da Língua Portuguesa emprega vários tipos de alfabeto, fazendo uso, também, de caracteres ideográficos, como os sinais de pontuação e os números. Cagliari (1995) aponta algumas dificuldades encontradas no trato fonético do português, pois, segundo ele, não há todos os recursos para representar o ato da fala na escrita.
Cagliari (1995) critica o papel exercido pela escola durante a aquisição da escrita pelos alunos, apontando que vários são os problemas vivenciados e culpa a prática pedagógica utilizada no desenvolvimento dessa habilidade pelo fracasso cada vez mais alarmante nesse processo.
Cagliari (1995) relata sobre a produção textual no ambiente escolar. É importante deixar a criança experimentar como escrever as letras, comparando-as, reescrevendo-as, questionando-as, consequentemente, como o processo de aquisição da fala. Mas ao contrário disso, a rigidez escolar não possibilita essa liberdade aos alunos que exige resultados imediatistas. Faz-se necessário que o professor ensine todas as letras do alfabeto e não delimite seu trabalho com poucas letras por vez.
Ao chegar à escola, o aluno já domina a oralidade da língua portuguesa, sendo assim, torna-se inoportuno, neste momento, o ensino da gramática formal e ortografia da variante culta, cabendo ao alfabetizador, no processo de ensino e de aprendizagem, valorizar as produções espontâneas e compreender os conhecimentos prévios sobre a modalidade escrita da língua, a fim de não lhe originar prejuízos cognitivos. As individualidades de cada aluno devem ser entendidas pelos professores na alfabetização, possibilitando àquele a construção de suas próprias hipóteses sobre as regras ortográficas de acordo com o discurso linguístico que ela apresenta nesta fase, para a partir desse ponto, estes edifiquem um aprendizado significativo.
Cagliari (1995) argumenta que a produção de um texto envolve problemas específicos de estruturação do discurso, de coesão, de argumentação, de organização das ideias e escolha das palavras, dos objetivos e do destinatário do texto, pois cada texto tem as suas funções e estas devem ser trabalhadas na escola. O autor elucida que em práticas pedagógicas de sucesso na alfabetização, o(a) professor(a) alfabetizador(a) não deve usar as produções textuais dos alunos como pretexto para corrigir ortografia, concordância, regência, caligrafia e outros erros gramaticais, mas deve usá-los como fonte de informação a respeito de seus alunos, de seus progressos e dificuldades, os quais servirão de subsídios para os planejamentos pedagógicos futuros e que não se deve corrigir o texto do aluno na folha em que ele foi escrito e garante que, conversar com as crianças sobre suas produções textuais e fazer perguntas direcionadas, no intuito de promover o aprendizado.
Cagliari (1995) relaciona alguns exemplos de textos espontâneos escritos por crianças, alunos de 1ª série e, logo após, há uma descrição dos “erros” ortográficos presentes nos textos, objetivando não só mostrar como e por que as crianças os cometem, mas, também, oferecer aos professores uma amostragem que lhes possa ser útil na análise dos erros contidos nos textos de seus próprios alunos. O referido autor promove uma análise com as seguintes categorias de “erros” ortográficos:
• Transcrição fonética: o aluno transcreve a própria fala, que é uma forma de escrever não-ortográfica e o categoriza como o erro mais comum nas produções textuais dos alunos;
• uso indevido de letras: o aluno escolhe uma letra possível para representar um som de uma palavra quando a ortografia usa outra letra, como os diversos sons do “s”, “r”, “x”, entre outros;
• hipercorreção: o aluno já distingue a forma ortográfica de determinadas palavras e sabe que a pronúncia destas é diferente. Passa, então, a generalizar esta forma de escrever. Por exemplo, doce = doci, avaliando que muitas palavras que terminam em “e”, mas são pronunciadas com som de /i/, então, os alunos escrevem palavras terminadas com a letra “e” com a letra ‘i’, ou ainda, armadilha = armadilia, onde o dígrafo “lh” é pronunciado em grande parte do Brasil com o som de /li/;
• modificação da estrutura segmental das palavras: são erros de troca, supressão, acréscimo e inversão de letras. Não têm apoio nas possibilidades de uso das letras no sistema de escrita e representam, às vezes, maneiras de escrever de que o aluno lança mão porque ainda não domina bem o uso de certas letras;
• juntura intervocabular e segmentação: ato de escrever juntando todas as palavras, como na fala que não há separação de palavras, a não ser quando marcada pela entonação do falante. Às vezes, devido à acentuação tônica das palavras, pode ocorrer uma segmentação indevida, ou seja, uma separação na escrita que ortograficamente está incorreta;
• forma morfológica diferente: são erros que acontecem porque, na variedade dialetal que se usa, certas palavras têm características próprias que dificultam o conhecimento, a partir da fala, de sua forma ortográfica, tais como, pacia = passear ou adepois = depois;
• forma estranha de traçar as letras: ocorre devido à dificuldade apresentada pela escrita cursiva, não só para quem escreve como para quem lê;
• uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas;
• acentos gráficos: os sinais diacríticos estão em grande parte ausentes dos textos espontâneos. Alguns erros de uso de acento provêm da semelhança ortográfica entre formas com e sem acento, como é o caso típico de se escrever “e” com acento e “é” sem acento. O til também ocorre muito raramente;
• sinais de pontuação: raramente aparecem nos textos espontâneos. Alguns alunos usam sinais como ponto ou travessão para isolar palavras;
• problemas sintáticos: são erros de concordância, de regência, mas que denotam modos de falar diferentes do dialeto privilegiado pela ortografia. “Aparecem construções estranhas que refletem estilos que só ocorrem no uso oral da linguagem”.
Cagliari (1995, p. 146) finaliza o estudo falando sobre os acertos ortográficos das crianças, criticando a supervalorização dos erros
“Os acertos em geral não são levados em conta, são admitidos como absolutamente previsíveis... agora, os erros pesam toneladas nas avaliações. Essa implacabilidade da escola contra os alunos, em função da ortografia, deve ser mudada, urgente e radicalmente (Cagliari (1995, p. 146).”
Pressupomos que é provável que tal mudança só ocorrerá a partir do momento que os professores adquiram os conhecimentos necessários sobre as probabilidades das ocorrências desses erros nas produções textuais dos alunos e adotem metodologias pedagógicas que viabilizem que os alunos escrevam, a princípio, espontaneamente, sem imposições do ensino da Gramática Vernácula Tradicional, nem através de atividades dirigidas ou de palavras e frases já treinadas, possibilitando assim, o levantamento de informações que mostrem as reais dificuldades e facilidades na escrita ortográfica dos alunos e norteiem práticas educativas de sucesso.
Este estudo contribuiu para refletirmos sobre a importância de renovarmos nossa prática pedagógica a partir da realidade de nossos alunos como meio para obtermos o sucesso, destes, no letramento escolar do português brasileiro. Ensinar a variedade escrita de prestígio do Português, suas outras variedades e como elas funcionam é tarefa da escola, não se pode deixar de lado os conhecimentos da Fonologia no processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Essa é a área da linguística que esclarece, por exemplo, a transferência de traços sonoros da fala na escrita dos aprendizes.
Cagliari (1995) considera que o fracasso no letramento escolar em Língua Portuguesa justifica-se, muitas vezes, pela falta de conhecimentos e técnicas de ensino adequadas por parte dos educadores evidenciando assim, na deficiência/ausência de conhecimentos linguísticos necessários em suas práticas docentes. Nesse intuito, faz-se necessário que sejam intensificados os estudos a respeito da realidade linguística na qual os alunos estão inseridos, a fim de torná-los capazes de desenvolverem-se criticamente sobre os aspectos linguísticos da ortografia convencional, mesmo em face dos usos de suas variantes estes saibam distinguir a fala da escrita.