GRITO CALADO ATRÁS DAS GRADES (Prisioneiras Políticas de Punta Rieles, Uruguai)
A poesia se nos apresenta de maneiras tão múltiplas, que vez ou outra, nós, os leitores de Poesia (com "p" maiúsculo(de músculo) mesmo), nos encontramos num óbice existencial, quase que obrigados a afirmar nossa pequenez diante da vida, do pensamento e do mundo das idéias. Quem lê Mário Quintana, "desvestido", por exemplo, terá de adotar uma outra postura para ler um beatnik. Adélia Prado pode, circunstancialmente, ser paralela, oposta, convergente ou justaposta a um Camões. E esse difere de um Paulo Leminski, que pode ser o igual ou o contrário de Maiakovski, antítese e síntese de João
Cabral.
Estava em dúvida entre (re)ler uma das (monumentais) obras de Maria José Giglio, poeta incandescente porém reclusa em São Roque, SP; ou voltar ao esmeril vocabular de Aricy Curvello, com seu "Mais Que os Nomes do Nada". Qualquer um desses são fecundos propagadores de Poesia stricta, pura e in natura. São diamantes exemplares de como pode ser feita uma poesia de quilate ímpar hoje, nesse mundão Brasil. Mas eis que caiu-me aos pés, vindo não sei de que lado da estante, este libelo libertário "Grito Calado Atrás das Grades", organizado por Yamila Salerno, para a Global Editora, dentro da coleção "Poesia Necessária nº 2". Já o tinha lido na pré-juventude e ficara com seu gosto de azedo e sal na boca do estômago, inexperiente à época, para as gozosas fruições do prazer poético visceral.
Todo o livro que agora resenho é fino, de letras grandes, grandes espaços em branco. Compõe-se de escritos(de anônimos ou não), feitos nas masmorras do campo de concentração feminino Punta Rieles, no Uruguai, durante o período da repressão política que acometeu aquele e tantos outros países da América do Sul. Não são uma primazia artística, mas, antes, uma poesia natural, fluida, que traz no seu bojo o questionamento do homem, suas leis e suas imposições. Como na metafórica "Canção da Alface" (pg. 34):
"Já que a vida não se extingue
enquanto há raiz no chão:
a alface está bem vivinha,
não há quem a mate não!",
de autoria desconhecida.
Também não sabemos quem é a autora que avança suas questões no perfil poético e bucólico de "Te...":
"Pensei na rosa
que foi nossa um dia
e olhando suas pétalas
como que a estudando
hoje a vejo entreaberta
e não sinto perfume."
Hoje confrontando todo o arrazoado crítico que formei nesses quase 40 anos de vida, percebo que urge juntar aos pilares-mór da poesia universal(Pound, Bandeira, Benedetti, Mallarmé, Neruda), uns outros inúmeros nomes(até anônimos – como nesse caso), para estabelecer uma outra relação com a imantação poética propiciada pela leitura. Fruir ou viver Poesia nem sempre pode ser equilibrado numa simples equação rígida do conhecer profundo.