COMTE-SPONVILLE, André. A Felicidade Desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (III)
Crítica da Esperança, ou a Felicidade em ato.
Sponville começa este terceiro momento de seu livro com um questionamento importante e que coloca mais uma vez em xeque o pensamento dos filósofos estudados (Platão, Pascal, Schopenhauer e Sartre): mas será que sofremos tanto assim?
O contexto de angústia, tédio, decepção, frustração e sofrimento nos parece realmente muito pessimista para os dias atuais. Os homens não são tão infelizes como nos descreve este grupo de filósofos. Isto porque, segundo o filósofo francês, eles erraram num ponto: desconsideram a importância da Alegria e do Prazer.
A Alegria e o Prazer são partes importantes da vida e ocorrem quando “desejamos o que temos, o que fazemos, o que é: há prazer, há alegria quando desejamos o que não falta!”. Para confirmar esta idéia, Sponville se utiliza de exemplos de nosso cotidiano:
Você está fazendo amor com o homem ou a mulher que você ama, ou que você deseja, e a sombra de Schopenhauer (...), murmura:
___ Você pensava como gostaria de possuí-la, como seria feliz se a possuísse! (...) Mas agora que você a tem, ela não lhe falta mais, e você já começa a se entendiar...
___ Que nada imbecil! É o contrário: como é bom fazer amor quando se tem vontade, com a pessoa que se deseja, tanto mais quando ela não nos falta. (COMTE-SPONVILLE, 2001, p. 44)
O que Sponville pretende mostrar com este exemplo é que este grupo de filósofos (Platão, Pascal, Schopenhauer e Sartre) está errado por confundir desejo com esperança. Para justificar este ponto, ele cita outro exemplo: Se os espectadores estão sentados é porque desejam estar sentados, senão estariam em pé, andando. O que significa dizer que você pode muito bem desejar o que está fazendo, o que não lhe falta. Mas não consegue esperar estar sentado, se já estiver sentado, ou melhor, não consegue esperar aquilo que não lhe falta. “Todo ato necessita de uma causa próxima, eficiente e não final, e o desejo, como notava Aristóteles, é a única força motriz.”
Dessas observações, Sponville chega a uma conclusão muito mais alentadora que as que chegaram os filósofos: “É por isso que podemos ser felizes, é por isso que às vezes o somos: porque fazemos o que desejamos, porque desejamos o que fazemos!”. Isto é o que ele define como “Felicidade em Ato”, ou ainda, uma felicidade desesperada, no sentido de não esperar nada.
É importante, por isso, definir o que ele entende por Esperança. Para Sponville, a Esperança é uma espécie de Desejo. “Toda Esperança é um desejo; mas nem todo desejo é uma esperança. O desejo é um gênero próximo, como diria Aristóteles, do qual a esperança é uma espécie” (SPONVILLE, 2001, p. 49)
Ele, então, procede à descrição de três características da Esperança que a aproxima do Desejo e outras três que os diferenciam.
Primeira característica: A Esperança é um Desejo que não temos. “Esperar é desejar sem gozar”. Isto porque, segundo definição de Platão, o desejo é falta, por isso que se acredita que a Esperança seja um desejo sempre relacionado ao futuro. É importante deixar claro que isso não se processa assim: podemos esperar também em outros contextos e não somente no futuro, embora a explicação valha, pois o futuro, ao menos em teoria, é algo que está ausente, que não temos, que nos falta, daí:“Esperar é desejar sem gozar”.
Segunda característica: Quando fala que na maioria das vezes a Esperança se refere ao futuro, Sponville faz uma ressalva: na maioria, mas não unicamente. Exemplifica: tem gente que espera que Deus exista (Presente), que Jesus tenha ressuscitado (Passado). Se compararmos estes exemplos ao fato de esperarmos sentar, por exemplo, chegaremos a seguinte máxima: Esperar é desejar sem saber (Uma Esperança é um desejo que ignora se foi ou será satisfeito), por isso não esperamos sentar, pois temos o conhecimento de que estamos sentados (presente), mas podemos esperar que Deus exista (presente). “A esperança e o conhecimento nunca se encontram, em todo caso nunca têm o mesmo objeto: nunca esperamos o que sabemos, nunca conhecemos o que esperamos”
Terceira característica: Para explicar a terceira característica Sponville parte do pressuposto que nem todo desejo relacionado ao futuro é uma esperança. E exemplifica, afirmando que se tivesse marcado um compromisso para dias a frente (logo, um futuro), não poderia ter Esperança em ir, mas sim apenas desejo. Isto porque, o compromisso depende dele, o que significa dizer que, a “Esperança é um desejo cuja satisfação não depende de nós.” Esperar é desejar sem poder.
Em resumo seria: Esperar é desejar sem gozar, sem saber, sem poder. Daí podemos explicar porque os estóicos viam a Esperança como uma paixão, e não uma virtude como decreta atualmente a maioria do senso comum.
O contrário da primeira característica é desejar o que gostamos, o que gozamos: arte, sexualidade, gastronomia, esporte, trabalho, etc. Já o contrário da segunda, seria: amar a verdade, o que conhecemos, conhecer a vida para amá-la. O oposto da terceira é desejar o que podemos ter, não somente o que não temos, e que não podemos ter. Ele cita Sêneca: “quando desaprender de esperar, eu o ensinarei a querer”. E para ainda esclarecer este oposto da terceira característica, Sponville define esse desejar o que podemos de Vontade. Ela seria diferente da Esperança na medida em que a esta é o desejo daquilo que não podemos e a Vontade, o desejo do que se pode fazer, agir.
Ele conclui este segunda parte com o lacônico ponto: “Platão, Pascal, Schopenhauer estão, portanto errados, ou pelo menos nem sempre tem razão”. Isto porque podemos ser felizes, desejando o que sabemos, o podemos ter, e o que gostamos de fazer. O contrário de ter Esperança não é o temer: saber, poder e gozar. E isso, segundo Sponville, é a Felicidade em ato, que somente existe no presente (não como um objeto a ser perseguido num futuro). É o que ele chama de Amor.
Amor, Vontade e Esperança são, então, três conceitos importantes para se entender a vida e a teoria Sponvilliana de Felicidade. Todos os três são formas de desejo. A diferença entre Vontade e Esperança é que esta última se refere ao que não temos, enquanto a primeira ao que temos ou podemos ter, o que depende unicamente de nós para sua realização. Já a diferença entre Esperança e Amor é que a Esperança é um desejo que se refere ao irreal (ausente) e o Amor, também um desejo, mas que se refere ao bem real. “Só esperamos o que não é; só gostamos do que é”, conclui.