Einstein Sua Vida, Seu Universo
Esteve Jobs, quando percebeu que sua breve existência estava prestes a esbarrar o infinito, convidou um biógrafo de sua confiança para fazer a sua história. Walter Isaacson havia feito outras biografias notórias como a de Einstein, Benjamin Franklin, por exemplo. No entanto, ao ler a biografia de Einstein, mais que a de Jobs, é que eu percebi o porquê ele relegar tão importante façanha ao biógrafo que também foi ex presidente da CNN editor chefe da revista Time e diretor geral da Aspen Institute.
O autor vai dos aspectos teóricos do trabalho científico de Einstein aos fatos prosaicos da sua vida íntima num trabalho de requinte acadêmico. Para cada fala de cada personagem existe a citação da fonte de maneira que ele totaliza 112 páginas de referências. Einstein foi tão venerado quanto uma estrela de cinema. Tamanha popularidade foi, é e sempre será incomum aos sisudos homens da ciência, que muitas vezes conhecemos pelos nomes nas tabelas periódicas ou das doenças que pesquisaram.
Na contramão, Einstein foi uma solene figura icônica versátil. Poderia ser tão divertido e despojado na imagem de um cientista descabelado que mostra a língua para os fotógrafos quanto tão sério ao ponto de ter sido associado à fabricação da primeira arma nuclear de destruição em massa. Sendo assim, trata-se de uma personalidade que escapa ao entendimento do homem comum mas não ao gosto, um gênio perfeito para que muitas anedotas e mal entendidos sejam criados e propagados a seu respeito.
Há evidências para dizermos que Einstein foi um “escolhido”. Filho mais velho do casal Hermann Einstein e Pauline Koch Einstein, nasceu em Ulm, Alemanha no dia 14 de março de 1879. Sua família era judia e proveniente de mercadores judeus dos lados materno e paterno. Seu pai viria a montar uma sociedade no ramo da distribuição de eletricidade com seu irmão e engenheiro em Munique, para onde se mudaram no ano posterior ao nascimento de Einstein.
Munique então, cidade ufanada por ter sido a cidade natal do grande compositor alemão Richard Wagner, sediou a primeira exposição alemã de eletricidade e a iluminação elétrica foi inaugurada em suas ruas. Provavelmente, entrar para o ramo de eletricidade ainda neste contexto garantiu à família de Einstein uma vida confortável. Sua mãe tocava piano e o presenteou na infância com um violino. Einstein logo desenvolve gosto e habilidade notável para tocar violino, tendo predileções para as composições de Mozart. Carregou seu gosto pelo instrumento para a vida afora, deixando apenas quando a senilidade lhe dimuiu a destreza dos dedos.
Nesse sentido, outro acontecimento que marcaria e determinaria a sua vida aos quatro ou cinco anos de idade, foi quando ganhou uma bússola de seu pai enquanto estava acamado. O fato de a agulha magnética comportar-se como se um campo oculto de força que a influenciasse o deixou tão extasiado que começou a tremer e a sentir calafrios, “algo muito escondido deve estar por trás das coisas”, relatou a respeito do incidente, muitos anos depois.
Quem sabe esses calafrios já não o indicassem a que veio? Este seria o primeiro dos seus precoces experimentos mentais. Aos dezesseis anos ele redigiu seu primeiro ensaio intitulado “Sobre a investigação do estado do éter num campo magnético”. Uma das questões que já o povoava nesses tempos era: “se uma pessoa pudesse correr atrás de um raio de luz com a mesma velocidade da luz, teríamos uma configuração das ondas que seria completamente independente do tempo”.
Ao contrário de um grande equívoco que se espalhou a seu respeito, Einstein foi um aluno brilhante, sobretudo em matemática. Antes dos quinze anos já dominava cálculo diferencial e integral. Quando adolescente, resolveu em minutos o cálculo que o tio engenheiro vinha quebrando a cabeça há dois dias junto ao seu assistente. “O mundo ainda vai ouvir falar dele”, profetizou o tio Jakob.
Na primeira infância, contudo, Einstein demorou um pouco mais com a aquisição da fala e apresentou um leve caso de ecolalia, por isso às vezes repetia uma frase duas ou três vezes antes de pronunciá-la. Uma empregada da família o tratava por “der Deppert” (o estúpido). Talvez esse acontecido leve a uma crença popular de que Einstein tenha sido considerado como “um idiota” na infância. Mas trata-se de um caso pontual, visto que há cartas onde sua avó elogia a sua inteligência, assim como a dos demais netos.
Na sua vida profissional científica, contudo, Einstein possuiu assistentes matemáticos que desempenharam papéis importantes em seu trabalho sendo que “o primeiro deles” foi sua primeira esposa, também colega de classe nos tempos em que estudou na Politécnica de Zurique. Mileva Maric’ teria grande colaboração com seu trabalho científico, mas não a ponto de ser considerada a autora deles, como já se especulou.
Enquanto aluno, o ponto que talvez pudesse ser considerado negativo foi a sua insubordinação à autoridade. Sempre crítico aos métodos de ensino, era considerado um aluno petulante. Petulância esta que dificultou sua vida profissional. Conseguiu um cargo para lecionar numa instituição científica apenas sete anos após a conclusão do seu curso em Zurique.
Em várias ocasiões, mandou artigos para que professores os lessem e sequer recebeu alguma resposta. Num dos episódios, seu próprio pai escreveu ao professor, sem que ele soubesse, pedindo um emprego ao filho ou que ao menos o professor respondesse a esse artigo, encorajando-o visto se tratar de uma figura importante para o filho. Nem uma resposta.
Se a sua insubordinação lhe prejudicou academicamente, foi a pedra filosofal do seu trabalho teórico e, posteriormente, político. Provavelmente, outro ponto que o impediu de conquistar a almejada cátedra foi o fato de ser judeu num ambiente em que o levante anti-semita já começava a dar seus ares. Enquanto a academia se fechava para o futuro notável, ele obstinado já sabia qual era o caminho a percorrer.
Conseguiu um trabalho num escritório de patentes onde trabalhava oito horas por dia, seis dias por semana. O trabalho de análise de patentes era resolvido num ínfimo tempo do total que deveria cumprir e o restante era dedicado ao seu estudo e especulações da física. O resultado da insubordinação, obstinação, foco e trabalho duro não poderia ser diferente. Essa teria sido a época mais frutífera do seu trabalho.
Entre os artigos publicados neste período, ele chegaria à uma conclusão que boa parcela da humanidade reconhece como um dos símbolos da segunda guerra mundial: E = mc². O artigo intitulado “A inércia de um corpo depende de seu conteúdo de energia?”, o faria a calcular as propriedades de dois pulsos de luz emitidos em direções opostas em um corpo em repouso. A conclusão de seu artigo alteraria as bases da física clássica: massa e energia são diferentes manifestações da mesma coisa.
Posteriormente, Einstein duvidaria da possibilidade de dominar a energia atômica ou de utilizar a potência implícita em E=mc². Quando já instalado nos E.U.A, em 1939, o velho amigo Léo Szilárd o procurou em sua residência e lhe explicou o processo. Uma explosiva reação em cadeia podia ser produzida em camadas alternadas de urânio e grafite pelos nêutrons liberados a partir de fissão nuclear. “Nunca pensei nisso!”, foi sua resposta.
Anos antes, o trabalho de Einstein sobre a influência da gravidade na propagação da luz já causava vários debates entre os físicos. De acordo com suas equações em 1915, a curvatura de espaço-tempo sofrida pela luz ao passar perto do Sol era de 1,7 segundo de arco. Esta teoria chegou, durante a primeira guerra, ao diretor do Observatório de Cambridge, Arthur Eddington. Mesmo Einstein não sendo popular na Inglaterra e os ingleses se orgulharem de ignorar ou denegrir as teorias dos alemães, a relatividade foi abraçada com entusiasmo.
A teoria precisava ser testada para a sua confirmação. No dia 29 de maio de 1919, haveria um eclipse, “uma oportunidade única”. O Sol estaria no meio a um rico aglomerado de estrelas na constelação de Touro. O eclipse seria mais visível no litoral do Brasil na pequena Sobral no interior do Ceará e na ilha do Príncipe, na costa atlântica da África. Dois grupos se dividiram então para os dois locais onde seria possível calcular a curvatura da luz. As fotos da Ilha Príncipe foram superiores em qualidade e proporcionaram à Eddington o que considerou “o dia mais feliz da sua vida”, uma curvatura de pouco mais que 1,7 segundo de arco, já suficiente para comprovar a teoria da relatividade.
Assim, Einstein iniciou a atenção do grande público juntamente com a de acadêmicos de prestígio. “A teoria da relatividade de Einstein chegou ao conhecimento de um mundo cansado de guerra (1º Guerra Mundial) e sedento de uma transcendência humana. Quase um ano depois do fim dos brutais combates, ali estava o anúncio de que a teoria de um judeu alemão fora comprovada por um quaker inglês. Cientistas pertencentes a duas nações em guerra voltaram a colaborar! Parecia o começo de uma nova era.”
The Times, anuncia: “O conceito científico do tecido do universo tem de mudar”; a recém-confirmada teoria de Einstein exigirá uma nova filosofia do universo, uma filosofia que vai varrer quase tudo o que tem sido aceito até agora.” Os repórteres começam a se interessar por sua notável figura com “olhos brilhantes e disposição de distribuir pílulas de sabedoria em formas de citações e tiradas”.
Curiosamente, seu prêmio Nobel, em 1922, não foi concedido como reconhecimento da teoria da relatividade, mas pela descoberta da “lei do efeito fotoelétrico”. O grande obstáculo de Einstein em ser premiado pela sua teoria mais famosa consistia no fato de se tratar de pura teoria, e que “eram necessárias mais evidências experimentais para que esta se comprovasse”. A despeito de não ser considerada nobelizável, a teoria da relatividade, foi o grande feito do cientista. Afinal, quem o reconhece pela pela “lei do efeito fotoelétrico”?
Após sua notoriedade pública, ele viria percorrer pelo resto de sua vida uma solitária, incansável e fracassada busca por uma teoria do campo unificado que juntasse eletricidade, magnetismo, gravidade e mecânica quântica. Às teorias da mecânica quântica, Einstein olhou com desconfiança, sobretudo as dificuldades da suas comprovações experimentais, já que, para Einstein, “Deus não joga dados”. Esta, aliás, se tornou uma de suas declarações mais famosas.
No que tange aos aspectos gerais da sua vida, Einstein foi casado duas vezes, com dois filhos do primeiro casamento, Hans Albert Einstein e Eduard Einstein. O primeiro se tornou professor de engenharia e foi, assim como o pai, morar nos Estados Unidos. Já o segundo se interessou por artes e psicanálise, até que seus surtos esquizofrênicos e suicidas se intensificaram, terminando a vida confinado em um sanatório.
Sua primeira esposa Mileva Maric’ também enfrentou quadros de depressão, e a relação dos dois, ao final do casamento, foi um tanto ressentida. O dinheiro do prêmio Nobel foi repassado para Mileva, cumprindo o acordo proposto por Einstein, pelo divórcio. Esse dinheiro possibilitou à Mileva a compra de alguns imóveis revertidos em renda segura e para os futuros anos e uma relação até cordial entre os dois.
Ainda casado com Mileva, Einstein visitou sua família e reencontrou uma prima que não via desde a infância. Elsa Einstein foi sua segunda e última esposa. Ao contrário da primeira, não se interessava por assuntos da física, tinha um caráter doméstico e o tratava com esmero. Como sendo também uma grande admiradora do marido, assumia o difícil temperamento do cônjuge sem interferir na sua vida íntima, com humor perspicaz e deleite em relação à fama do companheiro.
Einstein já havia renunciado à cidadania alemã assim que terminou seu curso em Zurique e pediu a cidadania suíça, o que obteve sem grandes dificuldades. Após sua mudança para os Estados Unidos, obteve a cidadania americana e negou a suíça.
No colégio primário, Einstein ficaria encantado com os ensinamentos judeus. Posteriormente, sua atitude rebelde em relação às autoridades o fez negar o judaísmo e com a ascensão dos nazistas no poder ele assumiu o seu sionismo e chegou a declarar que “deixar de ser judeu é como o caracol que se livra da concha mas nunca deixa de ser um caracol”. Pouco antes da 2º Guerra ele se juntaria com um líder sionista do partido de assentamentos judaicos na Palestina. Viajou o mundo defendendo a causa e angariando fundos para o estabelecimento de um estado judeu.
Ele ainda olhava com certa desconfiança para um estado imposto à Palestina com força bélica e fronteiras. Era um defensor do pacifismo e defendia que cada cidadão faria a sua contribuição com a paz mundial ao se negar em servir à guerra. Nesse período, demonstrou simpatia aos ideais de Ghandi. Mas Einstein não era indiano, e sim um judeu mediante a ameça da dignidade do seu povo pelo império nazista alemão. Ele então voltou atrás nos seus ideais pacifistas quando percebeu a agressividade do terceiro Reisch.
Por vezes foi considerado ingênuo nas suas concepções políticas. Tentaram aproximá-lo do comunismo Russo, Einstein nunca concordou. Ele era crítico à tirania, independente da sua orientação. Foi defensor de uma organização mundial que pudesse controlar as guerras e as posses das armas atômicas. Futuramente, na guerra fria, o cientista teria um dossiê no FBI com quase mil e quinhentas páginas, mas nunca fora interrogado diretamente. Aos seus amigos intimados a depor, Einstein sempre defendeu que se recusassem a fazê-lo.
Seu entusiasmo com a liberdade de expressão no território norte americano viria a se desfazer na últimas décadas da sua vida. A histeria da caça às bruxas e o medo é o que sucumbiria o povo americano e não uma ameaça comunista. Era o que provavelmente poucos homens de juízo, além dele, poderiam intuir.
No ano em que faleceu, em 1955 aos 76 anos de idade, Einstein morava em Princeton e fazia caminhadas diárias para o Instituto de Ciência, onde atuava há 22 anos desde que se mudara para os Estados Unidos para não mais sair. Sempre muito reverenciado por seus amigos, pessoas com quem trabalhou e comunidade, Einstein já havia perdido as duas esposas e sua irmã Maja que fora morar com ele. Mas ainda tinha um par romântico, um papagaio, sua fiel secretária Hellen Dukas e sua enteada Margot.
Tivera vários relacionamentos extraconjugais, era considerado uma pessoa muito distante no ambiente doméstico e ao mesmo tempo muito amoroso do ponto de vista humanitário. Não gostava de controle, de ostentações, permaneceu como um sujeito simples que preferia viajar de segunda classe. Sua capacidade de concentração era exacerbada, e, mediante a problemas pessoais, ele se atirava no trabalho até a estafa.
Era um homem humilde, o que raramente ocorre a personalidades que adquirem tamanha notoriedade e admiração. É possível que o aspecto da sua personalidade que o fazia tão grande e “pequeno” era justamente seu dom para observar o infinito. “Um espírito manifesta-se nas leis do universo - um espírito vastamente superior ao do homem,e diante dele nós, com nossos modestos poderes, só podemos nos sentir humildes”, escreveu ele.
Outro “tempero” que pode tê-lo convertido num gênio tão especial, tanto para a ciência quanto para o grande público leigo, tenha sido sua “aura artística”. Ao conversar com o poeta Saint-John Perse, ele quis saber como surge a ideia de um poema. Seu interlocutor lhe falou do papel da imaginação e intuição. “É a mesma coisa para um cientista!” Einstein disse felicíssimo, “É uma iluminação súbita, quase um arrebatamento. Depois, é claro, a inteligência analisa e as experiências confirmam ou invalidam a intuição, mas de início há um grande salto da imaginação”.
“Deus” também é o personagem protagonista do cartunista Carlos Ruas, e Einstein é um dos tantos personagens que se relacionam com “Ele”. Num desses quadrinhos, Einstein explica uma teoria da física para “Deus” que comprova a perfeição dos movimentos dos corpos celestes e conclui: você um Gênio! E “Deus” fica a olhá-lo com uma cara de interrogação e como que a perguntar: “Sou?”.
Assim como o Ruas, também imagino Einstein: demonstrando a perfeição de Deus para o criador, surpreendendo Mozart com seu violino, conquistando os corações de todas as Musas do Olimpo, olhando incrédulo para sua teoria de energia e dizendo: “mas eu nunca pensei nisso!”, uma bomba?!