Resenha impressionista para série de livros e filmes "Harry Potter"
Gosto muito da série de livros (e da série de filmes) do Harry Potter. Reli toda ela esses tempos. Curto fantasia e sempre me impressiono quando leio ou assisto uma produção de algum cérebro brilhante, como J.K.Rowling, J.R.R.Tolkien ou G.R.R.Martin, por exemplo.
A saga do bruxinho é, ao mesmo tempo, comovente e empolgante. Comovente porque ele é caracterizado como um “cinderelo”, e empolgante pela sucessão de aventuras em que ele e os amigos se envolvem.
Acho maravilhosa a capacidade de Rowling! Ela ambientou a história de crianças e adolescentes num colégio interno com disciplina rigorosa, e eles o adoram! Fantástico, né? Ora, quem não gostaria de estudar em Hogwarts?
O dia-a-dia da escola está sempre presente e descrito de maneira supercriativa. O convívio dos alunos com os professores, num clima de respeito aos mais velhos – alguns com jeito de vovós e vovôs – vai ajudando no seu aprendizado das peripécias do mundo mágico, e também no aprendizado sobre a própria vida.
Incrível a criação de tantos personagens adolescentes, e também adultos, com suas peculiaridades tão verossímeis e bem descritas. Nas turminhas de leitores, sempre há quem se identifique com os personagens principais – eu me identifico com a Hermione, é claro – e também com os mais secundários. Até mesmo os personagens de fundo apresentam em algum momento seu drama pessoal, e isso geralmente contribui para o andamento da história.
A evolução da história pareceu suave e intensa, na medida em que as crianças se tornam adolescentes e então jovens adultos. No início, aquele-que-não-deve-ser-nomeado retorna depois de dez anos e busca a pedra filosofal para alongar sua vida. Não conseguindo, tenta efetivar sua vingança soltando o monstro da câmara secreta. Sendo derrotado, tenta arrebanhar seus antigos seguidores, para então fazer um ritual de volta à antiga forma. A morte de um adolescente acontece no quarto livro, quando nossos heróis estão com 14 anos. O Ministério da Magia não aceita essa verdade, e institui uma “inquisição” na escola, de modo que a reação dos alunos “contra o sistema” se mostra necessária quando estão com uns 15 anos. E com essa idade Harry tem que enfrentar a morte do padrinho. Quando então Voldemort se mostra ao mundo, libertando seus Comensais da Morte, os bravos heróis da Ordem da Fênix precisam intervir, e então o Ministério finalmente reconhece os fatos. E em Hogwarts, o ensino de Defesa contra as Artes das Trevas se torna tão sério quanto só havia sido quando um lobisomem foi o professor. Em meio a isso, Dumbledore descobre o ponto fraco de Você-sabe-quem, e determina para Harry, Rony e Hermione a missão de destruir os pedacinhos da sua alma. No final da saga, a tomada de poder pela turma do mal torna necessária a união da turma do bem, e o sacrifício voluntário de Harry, que então já é maior de idade e, ponderando conselhos de todos os amigos, toma suas próprias decisões.
Achei impressionante perceber como Rowling incrivelmente inseriu dramas psicológicos, sentimentos de inveja, irritação, ciúmes, complexos de inferioridade, preconceitos, dramas familiares, a morte de amigos, dramas políticos, torturas, opressão institucional e a correspondente resistência, questões sérias sobre manipulação de imprensa, sobre calúnias e contraespionagem, tudo de uma forma que adolescentes compreendem, se apropriam dos fatos e se posicionam em debates em casa, na escola, nas redes sociais... uau!
O livro de que mais gostei foi o último, com as suas histórias dentro de histórias. Especialmente as histórias sobre a juventude de Dumbledore. Nosso herói sempre tinha sido incontestável – como talvez sejam nossos pais quando somos crianças –, e as dúvidas sobre seus atos levantadas pelos mal-intencionados nos levaram aos questionamentos próprios da adolescência. E foram esclarecidos numa boa. Espero saber mais sobre ele nos filmes sobre os Animais Fantásticos e Onde Habitam. :-)
Outra história-dentro-da-história é o conto dos três irmãos e sua lição sobre a aceitação da inevitabilidade da morte, nossa e dos que nos cercam. Enquanto a varinha-das-varinhas proporcionava nada mais que a abstrata sensação de segurança para o irmão-com-medo-de-morrer, a pedra-da-ressurreição revertia o encerramento da vida, mas de maneira meia-boca, que não servia para ninguém. Somente a capa-da-invisibilidade é que permitia ao terceiro irmão fugir da morte – que é o máximo que se consegue fazer, seja num mundo com ou sem magia – e ela pôde ser dada em herança quando esse irmão se apaziguou com a ideia de morrer. Grande lição!
Fiquei bem decepcionada com a revelação de que o medalhão era fake. Ele deu tanto trabalho e causou tanto sofrimento para ser encontrado, que achei totalmente deprimente a descoberta. E isso também meio que levou o sexto livro a ficar muito restrito em termos de avanço na história. Parecia que valeu pela descoberta da memória disfarçada do professor Slug, mas depois soubemos que Dumbledore já sabia sobre as horcruxes. Então, pra que serviu? :-P
A reviravolta do Prisioneiro de Azkaban foi, para mim, a mais empolgante, e no filme achei ainda melhor! Já a revelação do Príncipe Mestiço me pareceu um anticlímax. Só ficamos sabendo o herói que foi Snape lá nas últimas páginas do último livro – em mais uma história-dentro-da-história. Isso talvez valha para nossa apreciação dos próprios pais, que contestamos durante toda a adolescência, mas quando percebemos a dedicação – e às vezes até os sacrifícios – que tiveram por nós, valorizamos como nunca. :-)
Achei fabulosa a escolha de nomes para os personagens, e também o uso do latim para as dezenas de feitiços! Percebe-se a erudição da autora em sua capacidade de nomear personagens destacando traços marcantes de sua personalidade pela atribuição de nomes com origem nas mitologias e na literatura clássica. Basta pesquisar um pouquinho, que podemos nos maravilhar com esses detalhes!
Em meio às aventuras, às decisões, aos apoiadores e detratores, e às sutilezas do mundo bruxo, a história da saga tem forte apelo romântico, naquele sentido idealista do bem contra o mal. Uma imagem metafórica linda que Rowling cria é que lembranças felizes – alô Peter Pan! – permitem conjurar um Patrono e espantar pra lá a depressão trazida pelos dementadores. E nada mais fofo que o amor da mamãe ter protegido o bruxinho contra a maldição da morte.
Já é um clássico.
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MALANOVICZ, Aline Vieira. "Harry Potter - série de livros e filmes". Porto Alegre, 14 mar. 2017. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/5940656