A “Outra Coisa” na poesia de Fernando Pessoa
LINHARES FILHO. A “Outra Coisa” na poesia de Fernando Pessoa.
Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará / PROED, 1982
O livro é resultado da dissertação de Mestrado do então mestre em Literatura Portuguesa professor Linhares Filho hoje Doutor e professor titular da Universidade Federal do Ceará da disciplina de Literatura Portuguesa III. Trata-se de um livro analítico sobre a poesia de Fernando Pessoa, poeta considerado o grande do Modernismo português . Poesia de cunho existencialista ontológico e de atitude estética desafiante pois faz com que o poético venha apresentar o inusitado, o original, ponto de contato com a poética de João Cabral de Melo Neto.
Um fato a ser ressaltado é a singularidade de suas personalidades literárias. Estudos afirmam que através das personalidades literárias, Fernando Pessoa, com esmero, tenta entender o mundo e buscar o Ser, são ainda uma válvula de escape para suas angústias mais íntimas aprisionadas que ganham liberdade e voz com “outras pessoas”.
O ortônimo corresponde Fernando Pessoa ele-mesmo, de espírito neo-simbolista e os heterônimos são Álvaro de Campos, espírito antimetafísico, ou seja, era contra a interpretação do real pela inteligência, é considerado o maior poeta dentre os heterônimos pessoanos, tido como modernista; Ricardo Reis, marcado pelo racionalismo e epicurismo e Alberto Caeiro, de espírito neo-romântico e também épico, é um idealista. Toda a obra de Caeiro é considerada um reflexão estética negando tudo o que até então estava posto, um grande metapoema. Aparentemente realista mas na essência um idealista. Pioneiro teórico do Sensacionismo , princípio da intelectualização da sensação. Colocada em prática com Álvaro de Campos. É o poeta da natureza e também filósofo, rico em processos inventivos.
Em A“Outra Coisa” na poesia de Fernando Pessoa, Linhares Filho tenta descobrir esta “Outra Coisa” existente na obra pessoana. É uma crítica hermenêutica, ou seja, busca detectar e interpretar a mensagem do texto. De acordo com a teoria do entre-texto, de Eduardo Portella presente no livro Fundamentos da Investigação Literária . Entende-se por entre-texto, a idéia essencial que resulta no tema, este equivale ao trans-modelo do entre-texto. O trans-modelo é a expressão do poético , um modelo aberto chegando ao entre-texto, correspondendo a tudo o que está nas entrelinhas, a essência, é a tensão entre o texto e pré-texto ou entre a língua e linguagem = o poético que não se apresenta facilmente, pois está velado e vem à tona através da epifania que quer dizer manifestação. (NOTAS DE AULA)
O livro aborda problemáticas preponderantes para a caracterização da “Outra Coisa” como a verdade, que é uma busca constante dos heterônimos e ortônimo para alcançar o auto-cohecimento.em que o ortônimo a teme e recorre a insciência, Caeiro finge uma despreocupação diante do tema, Campos e Reis a temem igualmente ao ortônimo.
Através de dicotomias como a tensão entre saber / não saber, tanto o ortônimo como os heterônimos querem ser inscientes e o ortônimo dá a “formúla ideal: não saber sabendo-se que não se sabe”.
O sentir / pensar principalmente a paz e a felicidade. Para Caeiro, este processo foi à exaustão que o próprio não sente mais; Reis diz que o sono traz a felicidade mesmo que efêmera; a relação entre Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, aquele empenhado em seguir a lição sensacionista deste, utiliza-a de forma errada baseado no humano existente em si, diferente de Caeiro com seu racionalismo, aí há a quebra e a distinção apesar disso a reverência Campos para com Caeiro não finda por tal motivo.
Outra problemática é a antítese das personalidades pessoanas, observada na obra de Fernando Pessoa, considerada aberta pois a tentativa de fechá-la em uma direção ou significação é inútil. A abertura na obra pessoana é o argumento mais forte para as conclusões que serão observadas ao final do livro e da resenha. O autor do livro resenhado sugere duas soluções: idealista e realista. Na abordagem sobre a solução idealista demonstra um ponto que contribuiu para tal solução que é “às vezes, mais uma forma, valorizada pelo ambíguo”. O ambíguo que surge no silêncio do texto escrito, segundo Eduardo Portella com a teoria do entre-texto, utilizada por Linhares Filho que afirma está no ambíguo a “Outra Coisa” e baseado ainda nas características de cada personalidade; Fernando Pessoa ele-mesmo com a natureza própria do neo-simbolista; Reis, com sua falsa conformação ; Caeiro, com sua camuflagem entre o poético e o apoético, Campos, na sua instabilidade diante de suas ações, desenhada em três fases e sua proximidade ao ortônimo e com relação a todos os heterônimos pode-se afirmar que existe “expressão sugestiva, instauradora de possibilidades”; a solução realista é o valor maior que cada personalidade escolhe para sua literatura, Campos escolhe o realismo; Reis e Fernando Pessoa ele-mesmo elegem o modo idealista e Caeiro que “’nada’ quer” , idealista.
A “Outra Coisa” é o entre-texto da obra pessoana, é tudo aquilo que podemos afirmar apesar de não estar expresso, é o que entendemos e sentimos quando lemos.
É sentido essencial da obra, o poético que se confunde, o “achamento do ser” segundo o autor resenhado.
24 de outubro de 2003