OS GATOS
É um livro de contos do Fialho de Almeida com selecção e introdução de Maria Antónia C. Mourão e de Maria Fernanda P. Nunes. Já tinha lido dois livros deste autor que considero imprescindível e gostei imenso desta introdução que ocupa cerca de um quarto do livro e que nos dá a conhecer a vida e personalidade do escritor que pelos vistos não era propriamente um santinho, como aliás ele aqui dá a entender, neste primeiro texto da colectânea que aqui vos deixo: "MEUS SENHORES, AQUI ESTÃO OS GATOS!" "Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato. Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para para os indiferentes, e terrível com agressores e adversários. - Um pouco lambareiro talvez perante as belas coisas, e um quase nada céptico perante as coisas consagradas; achando a quase todos os deuses pés de barro, ventre de jibóia a quase todos os homens, e a quase todos os tribunais, portas travessas. - Amigo de fazer jongleries com a primeira bola de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código. - Paciente em aguardar, manso e apagado, com um ar de mistério, horas e horas, a sortida de um rato pelos interstícios de um tapume, e pelando-se, uma vez caçada a presa, por fazer da agonia dela uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de veludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, atirando-a ao ar, recebendo-a entre os dentes, roçando-se por ela e moendo-a, até a deixar num picado ou num frangalho. Desde que o nosso tempo englobou os homens em três categorias de brutos, o burro, o cão e o gato- isto é, o animal de trabalho, o animal de ataque, e o animal de humor e fantasia- porque não escolhermos nós o travesti do último? É o que se quadra mais ao nosso tipo, e aquele que melhor nos livrará da escravidão do asno, e das dentadas famintas do cachorro. Razão por que nos acharás aqui, leitor, miando pouco, arranhando sempre, e não temendo nunca."
É um livro de contos do Fialho de Almeida com selecção e introdução de Maria Antónia C. Mourão e de Maria Fernanda P. Nunes. Já tinha lido dois livros deste autor que considero imprescindível e gostei imenso desta introdução que ocupa cerca de um quarto do livro e que nos dá a conhecer a vida e personalidade do escritor que pelos vistos não era propriamente um santinho, como aliás ele aqui dá a entender, neste primeiro texto da colectânea que aqui vos deixo: "MEUS SENHORES, AQUI ESTÃO OS GATOS!" "Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato. Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para para os indiferentes, e terrível com agressores e adversários. - Um pouco lambareiro talvez perante as belas coisas, e um quase nada céptico perante as coisas consagradas; achando a quase todos os deuses pés de barro, ventre de jibóia a quase todos os homens, e a quase todos os tribunais, portas travessas. - Amigo de fazer jongleries com a primeira bola de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código. - Paciente em aguardar, manso e apagado, com um ar de mistério, horas e horas, a sortida de um rato pelos interstícios de um tapume, e pelando-se, uma vez caçada a presa, por fazer da agonia dela uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de veludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, atirando-a ao ar, recebendo-a entre os dentes, roçando-se por ela e moendo-a, até a deixar num picado ou num frangalho. Desde que o nosso tempo englobou os homens em três categorias de brutos, o burro, o cão e o gato- isto é, o animal de trabalho, o animal de ataque, e o animal de humor e fantasia- porque não escolhermos nós o travesti do último? É o que se quadra mais ao nosso tipo, e aquele que melhor nos livrará da escravidão do asno, e das dentadas famintas do cachorro. Razão por que nos acharás aqui, leitor, miando pouco, arranhando sempre, e não temendo nunca."