MAYOMBE (Pepetela)
Mayombe, romance do autor angolano Pepetela, é uma obra que retrata o cotidiano de soldados do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), na luta contra tropas colonialistas portuguesas. Lançado em 1980, o enredo trata da rotina de personagens que, enfurnados no interior da floresta de Mayombe, vivem a experiência da guerra em sua profundidade de medo, dúvidas e ambigüidades. Pepetela (nascido Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos) cria uma galeria de personagens tão óbvios quanto inusitados, como Sem Medo (comandante de fato e de conceito), Comissário (o aspirante que sofre para aprender a ser), Teoria (professor), Ondina, Lutamos, Mundo Novo e um panteão de herois (ou o contrário), cujos interesses individuais muitas das vezes se sobrepõem aos valores universais do conflito, numa tensão constante que conduz o leitor pelos caminhos sinuosos da construção humana.
A estrutura do texto, cujo foco narrativo é alterado de maneira intermitente no transcurso da história, faz com que haja uma ampliação das leituras possíveis das ações, sentimentos e contradições dos soldados em luta contra o exército português. Há no enredo uma pluralidade de interesses sujeitos à de uma ação que parece homogênea. Todavia, a leitura permite notar o quanto a origem étnica e postura ideológica, entre outros fatores, fazem com que a luta seja travada não só contra o inimigo comum a todos, mas dentro do próprio grupo e até contra si mesmo.
Na confecção de seres singelos e profundos, Pepetela pinta com sobriedade áreas com pouca cor e outras ainda mais sombrias, em tons pasteis, sujos de sangue, como, aliás, é o desenho de toda guerra. Chama a atenção a composição das figuras femininas, como Leli e Ondina (principalmente a segunda), que mesmo sem voz direta, são personagens que moldam as lideranças masculinas de tal forma que atuam no encaminhamento das ações, ainda que de forma indireta, imprevisível e definidora.
Mayombe – um lugar que tanto atrai como gera repulsa em seu magnetismo – torna-se, assim, um símbolo mitológico, muito maior que uma área geográfica da África. A narrativa traça um percurso pelas entranhas da mata que a faz crescer, assim como seus personagens aumentam, enquanto a distensão do tempo nos longos períodos de espera, as decisões às vezes justas, às vezes legais – às vezes as duas coisas, e, em momentos cruciais, nem uma coisa nem outra – tudo vai elidindo numa profusão de vozes que ameaçam a lucidez da batalha que em seu resumo seria contra um inimigo comum. A confusão exasperada provocada pela fome, o ciúme, a incompreensão histórica e a mentira, ajudam a criar fissuras que podem romper o tênue fio que une todo o povo que paradoxalmente luta pelo mesmo ideal. Diferenças étnicos-culturais e sociais podem ser mais desastrosas que a luta contra o opressor.
Reafirmando os valores socialistas mas sem deixar de fazer uma crítica política abrangente, profunda e mordaz, Mayombe é um atestado da beleza com que os seres podem ser retratados, mesmo que sob o jugo feroz da guerra.