Marília de Dirceu - Tomás Antônio Gonzaga
Na primeira parte de Marília de Dirceu somos apresentados à Marília e ao pastor Dirceu, responsável pela voz do poema que descreve todo o seu sentimento pela jovem. Ambos são pastores de ovelhas em uma região não definida pelo autor. Nessa primeira parte, escrita antes da prisão do autor, nota-se uma preocupação intensa em louvar a beleza da amada. Outro objetivo do eu lírico nesse trecho parece ser o de se colocar à altura dela, fato que fica claro pela afirmação de uma posição social nas primeiras liras.
Além disso, Dirceu apresenta frequentemente seus planos em relação ao futuro com Marília. O eu lírico deseja uma vida bucólica e serena, com filhos, em um ambiente campestre fortemente marcado pela presença da natureza.
Já na segunda parte, elaborada na prisão, local para o qual o autor e o eu-lírico se deslocam, e na terceira, predomina o tom solitário e pessimista. Dirceu repete sua tristeza e saudade de Marília, sem o otimismo e o louvor à natureza presente no trecho inicial.
CONTEXTO
Sobre o autor
Nascido em Portugal, Tomás Antônio Gonzaga foi levado para Pernambuco pelo pai brasileiro. Envolvido com a Inconfidência Mineira, foi preso e enviado à Moçambique, na África, onde passou boa parte de sua vida. É considerado um dos grandes nomes do arcadismo.
Importância do livro
O livro teve sua primeira parte publicada no ano de 1792, em Lisboa. A obra pertence ao Arcadismo, mas já apresenta características do Romantismo. Especula-se, inclusive, que foi o amor do autor por Maria Doroteia Joaquina de Seixas que inspirou a história. Refletido em Dirceu, Gonzaga declara seus sentimentos pela amada.
Período histórico Acusado de participar da Inconfidência Mineira, Tomás Antônio Gonzaga foi preso em 1789. Foi na prisão em Fortaleza que escreveu parte da sua obra mais conhecida, Marília de Dirceu.
ANÁLISE
Marília de Dirceu é um longo poema narrativo, composto por duas partes de cerca de trinta liras, termo utilizado para denominar os poemas que compõem a obra, e uma terceira que mescla liras, sonetos e odes. Seu enredo é profundamente relacionado à biografia do autor, Tomás Antônio Gonzaga. A protagonista da obra lírica teria sido inspirada em Maria Doroteia Joaquina de Seixas, uma jovem moradora da região de Vila Rica. A área foi palco da inconfidência mineira, evento no qual o autor esteve envolvido e que lhe rendeu um tempo preso.
PERSONAGENS
• Marília: amada do eu lírico do poema, é uma jovem camponesa. A personagem foi inspirada em um amor real do autor.
• Dirceu: o eu lírico apaixonado é um pastor de ovelhas, bastante respeitado por seus iguais no ambiente campestre em que circula.
Por se tratar de uma obra identificada com o Arcadismo, o eu lírico, embora profundamente identificado com o autor, assume o papel de um camponês pastor de ovelhas, assim como sua amada. No livro, são evocados frequentemente elementos identificados com a vida no campo, estratégia inspirada na tradição Greco-latina.
O vínculo com a literatura árcade também faz com que a obra apresente profunda preocupação formal e que sejam citados elementos das culturas clássicas. Entretanto, a linguagem empregada é simples e busca aproximação com o coloquial. O tratamento dado à figura feminina é bastante idealizado, mas em alguns trechos sua presença parece mais real do que em outras obras do gênero.
Marília tem sua beleza louvada constantemente e, em virtude de seus atributos, são elaboradas metáforas como “teus olhos espalham luz divina” ou “tuas faces, que são cor da neve”. Por sua relação com a temática amorosa, alguns autores enxergam em Tomás Antônio Gonzaga características pré-românticas.
ANÁLISE CRÍTICA DA OBRA
I- Escola Literária
II-
ARCADISMO: a palavra arcádia, que dá origem a Arcadismo, é grega e designa uma sociedade literária típica da última fase do Classicismo, cujos membros adotam nomes poéticos pastoris, em homenagem à vida simples dos pastores, em comunhão com a natureza.
III-
O Arcadismo quanto à forma:
IV- vocabulário simples
V- frases na ordem direta
VI- ausência quase total de figuras de linguagem
VII- manutenção de versos decassílabos, do soneto e de outras formas clássicas
VIII- O Arcadismo quanto ao conteúdo:
IX- pastoralismo
bucolismo
fugere urbem
X- aúrea mediócritas
XI- elemento da cultura greco-latina
XII- convencionalismo amoroso
XIII- idealização amorosa
XIV- racionalismo
ideias iluministas
XV- carpe diem
XVI- II- Cronologia
XVII- Início do Arcadismo no Brasil: 1768 - publicação das Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa
XVIII- Término: 1836 - publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves Magalhães.
XIX- III- Biografia do autor
XX- O poeta Tomás Antônio Gonzaga, patrono da cadeira nº 37 da Academia Brasileira de Letras, nasceu na cidade do Porto, em Portugal, a 11 de agosto de 1744 e faleceu na Ilha de Moçambique, onde cumprira pena de degredo, em fevereiro de 1810.
Era filho do brasileiro Dr. João Bernardo Gonzaga e de D. Tomásia Isabel Clark. Passou alguns anos da infância no Recife e na Bahia onde o pai servia na magistratura e, adolescente, retornou a Portugal a fim de completar os estudos, matriculando-se na Universidade de Coimbra na qual concluiu o curso de Direito aos 24 anos.
Depois de formado exerceu Gonzaga alguns cargos de natureza jurídica, já tendo advogado em várias causas na cidade do Porto. Candidatou-se a uma Cadeira na Universidade de Coimbra, apresentando uma tese intitulada 'Tratado de Direito Natural'. Em 1778 foi nomeado juiz de fora na cidade de Beja, com exercício até 1781. No ano seguinte é indicado para ocupar o cargo de Ouvidor Geral na comarca de Vila Rica [Ouro Preto], na Capitania de Minas Gerais.
A permanência em Vila Rica estendeu-se até o ano de 1789, quando foi envolvido na famosa Inconfidência Mineira. Em maio do referido ano, acusado de participação na conspiração é detido e, sem maiores formalidades, remetido preso para o Rio de Janeiro.
Nessa ocasião estava o poeta noivo de Maria Doroteia Joaquina de Seixas, jovem pertencente a uma das principais famílias da capital mineira, e a quem dedicava poesias do mais requintado sabor clássico, que iriam fazer parte do livro intitulado 'Marília de Dirceu' cuja primeira parte foi publicada em Lisboa, pela Impressão Régia, no ano de 1792.
XXI- A obra poética de Tomás Antônio Gonzaga é relativamente pequena mas suas liras tiveram dezenas de edições.
Segundo as mais abalizadas pesquisas de natureza estilística e histórica, deve-se ao infortunado Ouvidor de Vila Rica a autoria da famosa sátira 'Cartas Chilenas', só editadas, em forma impressa, no Segundo Reinado. Continham-nas uma coleção notável de versos cáusticos, em que era posto em ridículo Luís da Cunha Meneses, Governador e Capitão-General de Minas Gerais, na década de 1780.
Na Ilha de Moçambique, para onde foi levado Gonzaga, em virtude de sua condição no processo da Conjuração mineira, casou-se o desventurado vate com Juliana de Sousa Mascarenhas, de quem houve um casal de filhos, cujos descendentes remotos ainda vivem na antiga colônia portuguesa.
XXII- Obras:
Marília de Dirceu
XXIII- Cartas Chilenas [principal obra satírica do século XVIII, atribuída a Gonzaga]
Duas tendências coexistem nas liras de Gonzaga:
XXIV- a] a contenção e o equilíbrio neoclássicos, com a utilização de todos os lugares-comuns do Arcadismo: um pastor, uma pastora, o campo, a serenidade da paisagem principal.
XXV- b] o emocionalismo pré-romântico, na expressão pungente da crise amorosa e, posteriormente a prisão, da crise existencial do poeta.
O sujeito lírico é o pastor Dirceu, que confessa seu amor pela pastora Marília. Eis a convenção neoclássica realizada, Mas é evidente que nos pastores se projeta o drama amoroso vivido por Gonzaga e Maria Dorotéia.
XXVI- A todo momento a emoção rompe o véu da estilização arcádica, brotando, dessa tensão, uma poesia de alta qualidade.
XXVII- Eu tenho um coração maior que o mundo
tu, formosa Marília, bem o sabes;
XXVIII- m coração, e basta,
XXIX- onde tu mesma cabes"
XXX- V- Resumo
XXXI- As partes da obra
XXXII- A obra se divide em duas partes [há uma terceira, cuja autenticidade é contestada por alguns críticos]:
XXXIII- 1ª parte: contém os poemas escritos na época anterior à prisão de Gonzaga. Nela predominam as composições convencionais: o pastor Dirceu celebra a beleza de Marília em pequenas odes anacreônticas. Em algumas liras, entretanto, as convenções mal disfarçam a confissão amorosa do amor: a ansiedade de um quarentão apaixonado por uma adolescente; a necessidade de mostrar que não é um qualquer e que merece sua amada; os projetos de uma sossegada vida futura, rodeado de filhos e bem cuidado por suas mulher etc.
XXXIV- 2ª parte: escrita na prisão da ilha das Cobras. Os poemas exprimem a solidão de Dirceu, saudoso de Marília. Nesta segunda parte, encontramos a melhor poesia de Gonzaga. As convenções, embora ainda presentes, não sustentam o equilíbrio neoclássico. O tom confessional e o pessimismo prenunciam o emocionalismo romântico..
XXXV- Considerações finais:
XXXVI- Em Minas Gerais, quatro poetas e magistrados constituem os mais importantes cultores do arcadismo, se bem que Otto Maria Carpeaux separe Cláudio Manuel da Costa, pelo maior racionalismo e menores "vestígios do sentimentalismo pré-romântico".
Grande entre todos eles, pelo sentido do ritmo e domínio artesanal, aparece Tomás Antônio Gonzaga, autor popularizado através das "liras" que celebram os amores de Marília e de Dirceu.
O tema do livro é amor. Amor cheio de pureza, em que se constrói um universo ideal, o poeta encarnado em pegureiro, a sua amada em pastora, conforme o vocabulário da escola. Os motivos são os tradicionais: da despedida, "Adeus, cabana, adeus; adeus, ó gado"; o das excelências do tempo passado "então só inocente / era de luso o reino. Oh! Bem perdido! / ditosa condição, ditosa gente!"; a indecisão do amante de duas amadas, o mon coeur balance entre Alteia e Dircéia, o mesmo lema do muito celebrado soneto de Alvarenga Peixoto: "Ou faz de dous semblantes um semblante / ou divide o meu peito em dois pedaços." Em Gonzaga é "Ou forma de Lavino dous sujeitos / ou forma desses dous um só semblante".
A versificação é pouco variada e, a par dos versos de quatro sílabas, melhor ditos, células métricas, vêm a redondilha menor, com acentuação em 2a. e 5a. sílabas; heroico quebrado, sempre em combinação; a redondilha maior; o decassílabo.
XXXVII-
É possível começar com uma curiosidade, a das liras XXII e XXV [2a. parte] e II [3a. parte], entre outras, em que a palavra final de cada estrofe é oxítona ou monossílabo tônico, em ê de timbre fechado, salvo uma rima de timbre aberto. Na ordem, rimam: ter, vê, tem, ofender, cruel, seu acolher, crer. Outra curiosidade é a rima interna, posta sobre a cesura em final do soneto: "Pois quando só na ideia m’a retrata / debuxa os dotes com que prende, vista / esconde as obras com que ofende, ingrata".
XXXVIII- E as figuras de repetição, sem muita pesquisa, podem ser registradas na sua frequência, a começar pela epizeuxe: "ganhei, ganhei, um trono" - "verás, verás, Marília", "eu vou, eu vou subindo a nau possante"; esta mão, esta mão que ré parece"; "já, já me vai, Marília, braqueando"; "só foi, só foi Lucrecia".
Mas o Gonzaga não nos oferece apenas abundante material de retórica e arte poética; oferece, e isso é mais importante, poesia para o gosto dos eruditos e poesia que gera popularidade: sentimento e sentimental, intelecto e sensorial melancolia e lamentação. E, porque se trata de um grande poeta, vem sendo incluído nas histórias literárias de Portugal e do Brasil. Nasceu no Porto; fez-se voluntariamente luso, nos depoimentos da devassa, procurando descomprometer-se com a Inconfidência. Amou em Vila Rica, em verdade era pela liberdade do jugo português [um homem amedrontado não é um homem], se bem que se desdissesse ante o inquisidor.
Mas o Brasil anda na sua poesia: saudoso, recompõe o itinerário que vai do Rio à terra de sua bem : "Procura o Porto da Estrela / sobe a serra, e se cansares / Descansa num tronco dela". "Toma de Minas a estrada / Na igreja nova a que fica / Ao direito lado, e segue / Sempre firme a Vila Rica".