Zadig ou O Destino, de Voltaire
Estes dias, ao remexer livros na estante em desordem, a fim de organizá-la, encontrei um que me fez parar a faxina, abri-lo e lê-lo. E por quê? Porque trata de assunto atemporal, o qual interessa a todos a quem a vida procura compreender não apenas por meio de observações empíricas, mas também mediante a literatura e outros meios igualmente necessários. O livro em questão é Zadig ou O Destino, de Voltaire. O assunto predominante na obra é o destino, usando como arquétipo um simples burguês, homem honrado, honesto, generoso, bom cidadão, que só leva no quengo na vida. Ele é um exemplo de que meritocracia, tanto ontem como hoje, é falácia, engodo, uma grande mentira; e, sobretudo, da impossibilidade de manipularmos o destino, espécie de vendaval indomável, ovelha desgarrada que tem suas próprias regras, comandos.
Ante as cobranças mundanas, o homem é impelido a ziguezaguear na corda bamba, realizar acordos suspeitos e até, para alcançar o almejado, trapacear, mentir em demasia e propositalmente. Neste jogo, nem sempre o mais qualificado, digno, horado, generoso vence, conquista seus objetivos. É o caso do protagonista deste livro, Xadig, que, com seus bons predicados, julgava poder ser feliz. Mas...
Penso que talvez cresse em meritocracia... Voltaire, um dos escritores mais engenhosos e irônicos que li, faz, em Zadig ou O Destino, uma critica feroz à sociedade da época, à burguesia, a qual prezava, e ainda hoje preza, por poder, riqueza. Assim, muitas vezes não basta a o homem comum, para realizar seus objetivos na vida, possuir qualidades como às de Zadig. Se não tiver relações próximas, amizades, contato com o Alto Clero da sociedade, fracassará. Quando isso acontecer, as cobranças mundanas serão maiores para estes.
Caminhava pela Avenida outro dia, quando alguém grita meu nome: "Damião!". Era uma velha colega das épocas de Carlos Gomes. Na época do colegial, sentávamos lado a lado; canhota, risonha, concluiu o Nível Superior, e hoje, segundo me falou, está casada, tem dois filhos, emprego fixo, e é feliz.
Sentamo-nos em um banco próximo. Ela me contou pormenores das labutas que empreendeu até chegar aonde chegou, dos quatro anos na universidade, das agruras na academia, e outras nuances que culminaram em seu êxito. Ouvi tudo, pacientemente, o que por vezes me é difícil. Ao final, perguntei a ela se acreditava em meritocracia. Ela me disse que sim. Eu lhe disse que sua história era uma exceção, e lhe fiz outra pergunta, se já tinha lido Zadig ou O Destino, de Voltaire. Não tinha lido. Resumi para ela o livro, ela deu uns risos cativantes, mexeu em demasia o corpo, ergueu as sobrancelhas, inclinou-se, e mais risos. Pareceu-me interessada no relato.
E então o telefone dela chamou...
Olhei as horas, levantei-me, me despedi. Fui ver se o almoço estava pronto. O destino havia naquele momento me concebido motivo para rir, e isso é raro.