Resenha do Livro ``Ética para meu Filho`` de Fernando Savater



          A ética, segundo o livro de Fernando Savater ``Ética para meu filho``, que consiste numa narração descontraída do autor para seu filho de apenas quinze anos, é uma ferramenta usada como forma de se viver bem, de conseguirmos viver uma vida boa, que valha realmente a pena ser vivida.
          A intenção principal do autor é basicamente conceituar a ética, como sendo um instrumento usado para as pessoas na arte de se viver bem, e tratar de nossa liberdade, esta consistindo em podermos escolher entre o bem ou mal, entre aquilo que nos convém e o que não nos convém, independentemente do meio no qual nascemos ou convivemos, e dos costumes e crenças existentes na sociedade na qual estamos inseridos. Pois como somos seres livres podemos aprender ou não conforme nossa vontade.
No entanto, mostra-nos que no geral, não ficamos pensando a todo instante no que nos convém ou não, realizamos a maioria dos nossos atos cotidianos quase que automaticamente, sem reflexões. Sendo que os mesmos são realizados, na maioria das vezes, baseados em nossos costumes, os quais desde que nascemos são impostos a nós, já que são costumes da nossa sociedade ou de nossos familiares, que realizamos, em sua grande maioria sem pensar e saber o porquê, ou em nossos caprichos, estes consistem em vontades individuais que podem ser consideradas fúteis, ou ainda em ordens, provenientes de nossos superiores, de pessoas que respeitamos ou até mesmo da sociedade na qual vivemos.

          Nem sempre recorrermos às ordens, costumes e caprichos para executar nossas ações são para nós satisfatórios, não contando muito em alguns casos, pois não são suficientes, já que a questão da ética sobre a qual se trata, consiste em ter liberdade para podermos decidir o que fazer, e não nos deixar levar pelos outros, pelos costumes, ordens e até pelos nossos caprichos, os quais não permitem a ação de pessoas livres, que como tais, necessitam pensar e decidir por si só.
          O autor diferencia a moral da ética, sendo que a moral é o conjunto de comportamentos e normas que a maioria das pessoas costuma considerar como válidos, sem ao menos refletir a respeito, ao passo que a ética é essa reflexão sobre por que os consideramos válidos.
Nesse livro, o lema fundamental da ética é fazer o que quisermos, entretanto, para fazer o que quiser é preciso dispensar os costumes, prêmios e castigos, ou seja, tudo aquilo que queiram nos dirigir de fora, pois não podemos perguntar a ninguém o que devemos fazer de nossas vidas, e sim perguntar a nós mesmos. Temos que fazer o que quisermos, no entanto, com responsabilidade, pensar várias vezes antes de fazer alguma coisa, sabendo distinguir o que realmente queremos fazer dos nossos caprichos. Pois às vezes apenas a vontade nos faz perder mais do que ganhar, e isso não nos permitirá darmos uma vida boa.
          A grave simplificação da vida é o fato de as pessoas não serem coisas. E como tal não podemos tratá-las como sendo coisas, usando-as apenas para conseguirmos delas o que quisermos e depois descartar como o que se faz quando as coisas não nos servem mais. A obsessão por conseguir dinheiro e coisas materiais a qualquer custo não é normal, mas também o fato de dizermos que nada queremos não é verídico, pois para conseguirmos uma vida boa precisamos de pessoas, as quais nos humanizam ao convivermos com as mesmas e das coisas que nos permitem usufruir da vida, manter-nos vivos e levá-la dignamente. Assim todos nós queremos e podemos ganhar dinheiro e conseguir coisas materiais, desde que para tanto não usemos as pessoas.
Quando possuímos algo, o mesmo, seja objeto, dinheiro ou pessoa, também nos possui, transforma-nos em servos deles, mesmo nos enganando que somos nós que o possuímos. Ao usarmos as pessoas como se coisas fossem nos coisificamos também, pois apenas tratando as mesmas como pessoas, seremos para elas pessoas e nos humanizaremos mutuamente.
          Para Savater, a única obrigação que temos na vida é não sermos imbecis, sendo o imbecil aquele que é manco do pensamento, ou seja, aquele que precisa da ajuda de outrem para pensar, já que imbecil é uma palavra que vem do latim baculus e significa bengala. Entretanto, todos nós, em algumas ocasiões, agimos como imbecis. Sendo que a imbecilidade possui diversas formas e todas elas se apoiam em coisas de fora, alheias, que nada têm a ver com a liberdade e reflexões acerca de nossos atos e de nossas vidas. Para não nos rendermos à imbecilidade é preciso que sempre estejamos em alerta, prestando atenção a todas as situações da vida e nos esforçando para aprender. Assim, o contrário de ser imbecil é ter consciência, caso contrário, estaremos desprovidos das questões do se viver bem.
          Pelo fato de sermos livres, ao cometermos atos que consideramos ruins, sentimos remorso, já que a nossa consciência nos condena e nos castiga. Pois o remorso consiste numa insatisfação para com as nossas atitudes e conosco. Dessa forma é necessário levar a liberdade a sério, ou seja, de forma responsável, sabendo que nossa liberdade de fazer o que quisermos tem efeitos indubitáveis, que depois de produzidos não podem ser apagados conforme as conveniências. Já que somos nós os responsáveis pelos nossos atos, as circunstâncias não podem servir como desculpa para nos isentar de nossas responsabilidades. Haja vista, em nossa sociedade existir desculpas para todas as coisas que fazemos, como propósito de querer que todos pensem não serem os donos de suas vidas e de suas ações.
          O autor afirma que o que faz a vida ser humana é a convivência com outros seres humanos, ou seja, com nossos semelhantes, pois o que interessa à ética é como viver bem a vida humana, a vida que transcorre entre humanos. Assim, se não soubermos nada a respeito da ética, perderemos ou prejudicaremos o humano de nossas vidas.
          Mesmo existindo diferenças enormes entre as pessoas, sempre temos muito em comum, como exemplo, o uso da palavra para nos comunicar e conhecer os outros, e os nossos gestos. Entretanto, por mais semelhantes que os seres humanos sejam nunca existem regras de como nos comportar diante dos outros.
          Por pior que os homens sejam sempre serão humanos e como tais, sempre poderão mudar suas atitudes e suas vidas, caso queiram, segundo Marco Aurélio, filósofo e imperador de Roma. Savater afirma que a maioria das pessoas que são más, o são por serem infelizes.
          Grande parte dos nossos comportamentos e dos nossos gestos são copiados de nossos semelhantes, sendo assim, uma das características principais dos seres humanos é nossa capacidade de imitação, apesar de sempre existirem invenções.
Para tratar os outros como pessoas, ou seja, humanamente, faz-se necessário colocar-nos no lugar de nossos semelhantes, através de procurar entender os outros como semelhante e compreendê-lo a partir de dentro, de adotar por um momento seu próprio ponto de vista.
          Para a sociedade, em geral, a imoralidade consiste no sexo, sendo essa ideia retrógrada proveniente do medo que todos alimentam em sentir prazer desde tempos muito antigos. Entretanto, o que é realmente mal são as pessoas acharem que exista algo de ruim no sexo. Sentir vergonha de explorar o sexo e sentir o máximo de prazer com o corpo e a alma é um tabu em nossa sociedade, usados como forma de repressão e dominação das pessoas. Sendo que esse tabu vem de algumas pessoas que impuseram em nós que não podemos nos distrair com os prazeres, pois precisamos viver o perigo da vida, sendo que o prazer do sexo é um dos mais intensos que podemos sentir o que causa muitas distrações, necessitando ser controlado por aqueles que desejam nos dominar e escravizar.
          Devemos sentir o máximo possível do prazer, já que somos seres que possuímos um corpo, e como tal, o que mais é significativo e marcante em nossas vidas é a dor e o prazer, mas buscar apenas o prazer em todas as coisas, simplesmente pelo prazer em si, empobrece nossas vidas e nos torna infelizes, nos afastando do sentido de boa vida.
          Existem em nossa sociedade aqueles que se consideram os mais morais dos seres humanos, são os puritanos, os quais repudiam os prazeres, principalmente os prazeres do sexo e vigiam a todos para que não o sintam também, entretanto, tal comportamento é ao parecer de Savater uma forma de imoralidade, sendo antiético.
          Para a maioria das pessoas a política é imoral, mas numa democracia, já que somos nós que escolhemos os nossos representantes, eles se assemelham a nós, e tentam nos mostrar que possuem os mesmos vícios e são humanos como nós. Se os mesmos fossem tão diferentes de nós, piores ou melhores, não os escolheríamos para nos governar. Sendo assim, a notória má fama dos políticos vem do fato de os mesmos serem mais públicos que as demais pessoas e possuírem ainda, mais oportunidades para incorrem nos erros.
          O ponto principal acerca da política para Savater é saber qual é a ligação entre ética e política. Quanto à finalidade, a ética e a política parecem fundamentalmente ligadas. A ética é a arte de escolher o que nos convém e viver o melhor possível. O objetivo da política é organizar o melhor possível a convivência social, de modo que cada um possa escolher o que lhe convém. Assim, qualquer um que tenha a preocupação de viver bem não pode omitir-se radicalmente da política.
          O autor afirma que a dignidade, apesar de ser o que todos nós temos em comum, nos torna seres únicos e irrepetíveis. Sendo esta a condição que permite exigir que cada ser humano seja tratado como semelhante aos outros, independentemente do sexo, cor de pele ou de nossos gostos e ideias.
          Savater ainda diz que ter uma vida boa não consiste em ter uma vida perfeita, pois em nenhuma época nenhuma pessoa viveu ou conseguirá viver sem problemas, pois na sociedade sempre existiu e sempre existirão crimes, assassinatos, pessoas que se aproveitam e coisificam a si mesmos e aos outros, pensando ser assim o conceito de vida boa, conseguir coisas em detrimento do sofrimento alheio. Entretanto uma vida boa consiste em se viver o melhor possível, mesmo com tantos defeitos nossos, dos outros e da sociedade na qual estamos inseridos.
          Para conseguirmos uma vida boa, segundo a ética, não devemos ocupar as nossas vidas em ter medo e ódio, mas procurar se viver da melhor forma possível. Isso consiste em tratar os outros como pessoas, com dignidade, para que possamos nos humanizar mutuamente e sermos pessoas também para os nossos semelhantes e dignas do outro e de nós mesmos. Evitando assim, os remorsos que nossas ações podem nos causar e a culpa proveniente de nossa consciência e próprio castigo que a mesma nos proporciona, pelo fato de sabermos que erramos e reconhecer os nossos erros.
          Para tanto, se faz necessário que sempre pensemos várias vezes antes de agir, para escolhermos aquilo que nos convém, em detrimento do que não nos convém e possa nos causar malefícios, estes não podendo ser apagados conforme as conveniências.
          Somos seres humanos livres e o ponto principal dessa liberdade é sermos os criadores de nossas próprias vidas, pois temos a capacidade de pensar a vida, de nos pensar vivendo a vida, construí-la, reconstruí-la e modificá-la sempre que se fizer necessário ou sempre que quisermos e se assim o quisermos. Entretanto, para muitas pessoas, isso consiste em um grande problema, já que não querem ser os autores de suas vidas e tentam a todo custo se livrar das responsabilidades de suas ações usando das inúmeras desculpas existentes em nossa sociedade para justificar aquilo que fazem, estas já pré- fabricadas, sobre medida para todos que desejam se isentar da autoria de seus atos e de suas vidas, sendo para estas pessoas, as circunstâncias sempre favorecedoras dos erros e a principal desculpa é que no mundo existem coisas irresistíveis.
          No entanto, não existe nada de irresistível no mundo para quem usa da razão para pensar e agir nele. Sabendo que a liberdade existe e estamos todos condenados a ela, não tendo como deixar de sermos livres, pois a escolha de não queremos pensar e decidir por nós mesmos, nos tornando escravos das circunstâncias, da sociedade e dos outros, utilizando das deculpas, sendo imbecis e nos deixando dominar pelos outros, é uma escolha de uma pessoa livre, que assim o quis por desejo próprio. Já que pensar sozinho não é uma tarefa muito fácil, apesar de ser prazerosa e a única forma de se conseguir uma vida boa, que valha realmente a pena ser vivida, que tenha sentido em se viver, ao invés de apenas ter uma sobrevivência no mundo.

Abraços,

 
Fábio Brandão
Enviado por Fábio Brandão em 08/06/2016
Reeditado em 08/06/2016
Código do texto: T5661231
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.