Pierre Menard, Autor do Quixote
Pierre Menard, autor do Quixote é um dos contos presentes no livro Ficções, de 1944, do escritor argentino Jorge Luis Borges. O Conto se apresenta como uma crítica literária sobre Pierre Menard, um escritor francês do século XX que teria reproduzido a obra de Cervantes, o Dom Quixote. Sua obra, considerada muito mais rica em ficção do que a de Cervantes, foi escrita de forma idêntica a original. Com tom de ironia e sarcasmo ao longo do texto, o narrador afirma que Cervantes critica as novelas de cavalaria e a realidade de sua época, século XVII, enquanto Menard se distancia desse passado, causando uma melhoria no texto através de sua reprodução.
Borges focaliza os esforços de Menard em ir além de uma simples tradução ou releitura do “Quixote de Cervantes”, recriando o livro, linha por linha, igual ao modelo do século XVII, levantando questões sobre o caráter da autoria e interpretação.
No início do conto, o autor levanta críticas sobre uma senhora da sociedade francesa, Madame Bachelier, por, numa publicação em um jornal, ter catalogado algumas obras de Menard, porém apresentando imprecisões, omissões e acréscimos em suas obras, alegando ainda que a enumeração de suas obras visíveis seria um trabalho sutil diante de sua obra mais profunda, cuja intenção era “escrever o Quixote”, e não apenas copiar a obra original.
Menard, autor do séc. XX e de nacionalidade francesa, traz consigo uma bagagem cultural expressa em cada linha de sua reescrita. Segundo o narrador, nota-se a questão da ambiguidade sobressaindo-se do texto, tornando a releitura desta obra um apanhado de novas reações.
Percebe-se, durante a leitura do texto, que o narrador evidencia uma posição estabelecida por Menard; este coloca-se contra a concepção de que não há interpretação deslocada do momento histórico e, com isso, de forma sarcástica, faz uma comparação entre dois trechos idênticos. O primeiro refere-se à obra original de Cervantes, redigida no século XVII e o segundo faz referência à obra reescrita de Menard, autor do século XX:
“...a verdade, cuja mãe é a história, êmula do tempo, depósito das ações, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do futuro.”
“...a verdade, cuja mãe é a história, êmula do tempo, depósito das ações, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do futuro.”
Analisa-se que, enquanto Cervantes teria feito apenas um elogio retórico da história, Menard teria escrito o mesmo texto com outro sentido mais crítico, resultado de novas conceituações de verdade e de história.
Assim, apresenta-se como argumento principal um problema da teoria literária: a relação entre história e ficção. Porém, também sugere uma teoria da leitura e da intertextualidade, ou seja, uma atribuição de sentido ao texto e de descobertas de sentidos que não são influenciados pela história. Menard acredita que há uma verdade universal em todos os textos e que estes podem ser relidos independente do momento histórico, sendo assim, a crítica de Borges recai sobre essa reflexão.
O autor cria uma espécie de labirinto com as ideias de espaço e tempo, ruminando o fazer literário e a própria ideia de leitura. O conto provoca um tipo de “viagem embaralhada” no conceito racional de sincronia e de verossimilhança narrativa, elevando a anacronia literária a possibilidades infinitas da leitura.
Tainara Andrade
Graduanda em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.