PREFÁCIO
Aceitei o desafio de prefaciar “Buscando vestígios”, a terceira obra literária da escritora e historiadora Izabella Pavesi. Há obras que não se desprendem do autor. Em uma narrativa descritiva de uma paisagem, e das pessoas que compõem essa paisagem, por exemplo, o traço de autoria resta evidente, esse traço de autoria vai saltar na página como se estivéssemos conversando pessoalmente com o autor da obra. O problema da autoria sempre se impõe. Esse traço de autoria não diminui a obra. Pelo contrário. Ele revela a vontade do autor em transmitir conhecimentos, informações, e sentimentos. Quem estuda literatura sabe que há traço de autoria em Machado de Assis, por exemplo. Nossas marcas sempre nos acompanharão, e essas marcas afetarão quem nos lê, quem convive com nossos textos. É por isso que “Buscando vestígios” é tão envolvente, tão fascinante. E essa é a razão de eu ter aceitado o desafio de prefaciar esta terceira obra da Iza, da Izabella Pavesi, uma escritora que aprendi a respeitar, e conhecer melhor por meio dos textos, e da incrível capacidade narrativa – o que faz de uma simples conversa, um convite à leitura.
Conheci a Iza em um encontro literário. Encontros literários são repletos de pessoas fantásticas porque a arte vai além da estética, e da comunicação. A arte imprime algo na alma de quem percorre esse caminho. E com a arte literária não é diferente. Descrever a Iza superficialmente é simples. Como todo descendente de italiano, que para cá imigrou para “fazer a América”, a Iza guarda os traços físicos e culturais do “povo da bota” – que é também meu povo. Tenho muitas afinidades com a Iza: somos descendentes de italianos; visitamos lugares afins na Europa; somos poetas e cronicontistas; e temos essa curiosidade sobre questões referentes à Genealogia, e a História como Ciência. Eu adicionaria mais um elemento nesse contexto: somos apaixonados pela natureza, e temos um carinho muito grande com a cultura local que é riquíssima em fatos históricos, e que transcende ao fantástico. Cada um de nós é composto do acúmulo de civilização, da experiência somada. E a Iza é uma pessoa com um coração de barco, com uma alma curiosa, e com um espírito de quem não desiste facilmente. E isso faz de “Buscando vestígios”, uma obra fascinante.
Vestígio é uma palavra latina (do latim, vestigiu, vestigium) que, etimologicamente, vai lembrar sinal, rastro, ou marca. Há marcas que se imprimem em nossa alma. Há marcas que se imprimem em nossa Língua. Marcas. Marcas que ultrapassam gerações, modificando a forma como enxergamos a realidade, performando nosso discurso. Quando nós buscamos esses vestígios, nós iniciamos uma jornada em direção a nós mesmos. Ser um peregrino nos remete ao desconhecido. O que encontraremos na próxima curva do caminho? Quais são as metamorfoses pelas quais passaremos? Das paisagens todas, quais são aquelas que residem em nós, e que resignificam o conceito de lar? Ao narrar uma história, meu olhar se transforma diante da paisagem narrada, é possível descrever cenários e pessoas de acordo com a experiência somada, de acordo com aquilo que Guimarães Rosa abstraiu tão bem: “As sete sereias do longe: si - mesmo, o céu, a felicidade, o longo atalho chamado poesia, a esperança vendada e a saudade sem objeto.”.
O verbo “buscar” trata sempre de descobrir, de encontrar. Quem busca, também procura, recorre a si mesmo. Uma busca é uma viagem, uma busca é uma jornada. Quem pesquisa; aquele vai o mundo inquirir, também busca. Quem busca vai ao encontro de algo ou de alguém. O particípio passado do verbo buscar é “buscado”, aquilo que está dado. O gerúndio, que muitos criticam, é segundo pesquisas recentes dos estudiosos da língua e da linguagem, uma forma avançada de se expressar. Ora, todo gerúndio pede uma espera. É como se o peregrino que vai de encontro a jornada manifestasse duas ações ao mesmo tempo: ele vai de encontro ao desconhecido, e ao mesmo tempo, ele espera pelo vento que toca seu rosto. Convido, porém, o leitor ao se imaginar um viajante de terras distantes, um Jean Valjean, por exemplo, que em certo momento para e reflete. E essa reflexão é fundamental para encontrar as marcas, os rastros, os vestígios. Assim, o título desta obra já é, per si, encantador. “Buscando vestígios” é uma obra fascinante deste o título.
Escreveu Izabella. Iza nos disse, em dado momento, neste fascinante livro: “Numa longa caminhada dissolveu-se meu pequeno ‘cosmos’. E me recompus num cosmos pluralizado, bem globalizado. Peregrinar é mergulhar no seu ‘eu’ mais verdadeiro, é medir os passos no compasso das suas forças… refletindo… pensando… meditando… resistindo… a cada minuto. (…) No peregrinar, vamos nos despindo de excessos, as tralhas pesadas, das mágoas severas que apertam os dias. É nessas horas que o lar ganha contornos gigantescos da grande morada, pois é então que redefinimos onde está nosso verdadeiro lar (…)”. De todos os contos, que neste livro são entremeados de crônicas belíssimas. Sim, o contista é também um cronista. E eu diria que o escritor bebe da fonte de dois entendimentos: o tempo cronológico (cronos) e o tempo como momento oportuno (kairós). Na mitologia grega, Kairós é filho de Chronos. Assim, Kairós é um aperfeiçoamento de Chronos, se o pai era quantitativo (se media em quantidade), o filho (era qualitativo, se medindo pela qualidade). Não é por nada que o catolicismo adotou kairós como o “tempo de Deus”, o tempo perfeito; enquanto chronos, a cronologia é o “tempo imperfeito”, o “tempo humano”. A Iza, nessa obra de paisagens belíssimas vai nos dizer desses dois tempos.
A memória é feita de lapsos temporais, assim eu aprendi. Outro ensinamento que me foi trazido diz que o pensamento é composto de duas partes muito importantes: a lembrança (o tempo passado), e o olhar instantâneo (momento oportuno ou presente). Nosso olhar capta em fração de segundos uma imagem, permitindo uma interpretação segundo nosso conjunto civilizatório, nossa experiência ou luz lembrada. Que fascinante é a mente humana! Amores, desamores, não há espaço para rancores do passado quando a mente se abre para novas experiências, para novas vivências. E quem viaja para uma terra desconhecida, quem revisita lugares que aqueceram o coração, vai ganhar um presente que vale mais do que gordas contas bancárias, ou o acúmulo de bens materiais. Uma viagem é um ganho de humanidade porque nos coloca diante de desafios: costumes, clima, língua estranha.
Revisitar a Itália sob a perspectiva da Iza é algo que encanta. Alie a isso uma narrativa leve, mas poderosa. Uma narrativa que descreve e contempla, ao mesmo tempo, uma obra de arte. Milão, Veneza, Baselga e Piné. O Trento! A Itália é um país fascinante porque incorpora a paisagem rural e urbana com as artes de séculos, em cidades que redescobrem como viver sob o céu da pós-modernidade. Da neve que cai ao reencontro de almas gêmeas. A felicidade é um conceito que a escritora redescobre. Para a Iza, a felicidade é, sim, “um minuto de distração quando somos presenteados com o inesperado frescor da vida. Sem expectativas, totalmente entregue à simplicidade do dia o fluir do tempo. Isso é a essência da felicidade”.
Como não se emocionar ao recontar as histórias de nossos ancestrais, de nossos imigrantes?! Quando eles cruzaram o oceano escuro para fazer a América, emigraram na esperança de uma terra prometida, de uma terra onde segundo a propaganda enganosa dos jornais, se colhia ouro em árvore. Nossos imigrantes que vieram em condições tão precárias quanto aos cativos africanos, eles conheceram aqui o cativeiro da terra. Vivenciaram no Brasil, o regime semifeudal que seus avós haviam lutado para se emancipar na Europa. Seria uma recorrência? Por que enfrentar tantas dores e dissabores no Brasil, quando já havia fome e frio na Europa? Izabella que é um pouco dos Caresia, dos Tomio, dos Pavesi, dos Vanelli, dos Demarchi, dos Paini… daquela gente que herdou a soma das culturas etrusca, celta, romana, bárbara, e veio construir uma vida melhor do outro lado Atlântico. Esse aspecto torna “Buscando vestígios”, uma importante obra para quem se dedica, também, a Genealogia.
Em última análise gostaria que o leitor fosse convidado a essa prazerosa leitura por meio de algo que eu vejo na Iza, na Izabella Pavesi, e que ela, pode reproduzir nesta belíssima obra. Há nesse universo, nesse nosso planeta, nessa sociedade que evolui, pessoas de caráter, pessoas humildes, gente que conquistou muita sabedoria – e que não se deixou escravizar por essa conquista. Sinto-me honrado e grato por dedilhar algumas linhas a respeito dessa obra que é o espelho das vivências da Iza. Como se aprende, quando a alma vai de encontro ao desconhecido. Alma peregrina que, ao caminhar, redescobre a jornada.
William Wollinger Brenuvida
Secretário da Oficial Academia Tijuquense de Letras
Ganchos, em 31 de outubro de 2015.
Conheci a Iza em um encontro literário. Encontros literários são repletos de pessoas fantásticas porque a arte vai além da estética, e da comunicação. A arte imprime algo na alma de quem percorre esse caminho. E com a arte literária não é diferente. Descrever a Iza superficialmente é simples. Como todo descendente de italiano, que para cá imigrou para “fazer a América”, a Iza guarda os traços físicos e culturais do “povo da bota” – que é também meu povo. Tenho muitas afinidades com a Iza: somos descendentes de italianos; visitamos lugares afins na Europa; somos poetas e cronicontistas; e temos essa curiosidade sobre questões referentes à Genealogia, e a História como Ciência. Eu adicionaria mais um elemento nesse contexto: somos apaixonados pela natureza, e temos um carinho muito grande com a cultura local que é riquíssima em fatos históricos, e que transcende ao fantástico. Cada um de nós é composto do acúmulo de civilização, da experiência somada. E a Iza é uma pessoa com um coração de barco, com uma alma curiosa, e com um espírito de quem não desiste facilmente. E isso faz de “Buscando vestígios”, uma obra fascinante.
Vestígio é uma palavra latina (do latim, vestigiu, vestigium) que, etimologicamente, vai lembrar sinal, rastro, ou marca. Há marcas que se imprimem em nossa alma. Há marcas que se imprimem em nossa Língua. Marcas. Marcas que ultrapassam gerações, modificando a forma como enxergamos a realidade, performando nosso discurso. Quando nós buscamos esses vestígios, nós iniciamos uma jornada em direção a nós mesmos. Ser um peregrino nos remete ao desconhecido. O que encontraremos na próxima curva do caminho? Quais são as metamorfoses pelas quais passaremos? Das paisagens todas, quais são aquelas que residem em nós, e que resignificam o conceito de lar? Ao narrar uma história, meu olhar se transforma diante da paisagem narrada, é possível descrever cenários e pessoas de acordo com a experiência somada, de acordo com aquilo que Guimarães Rosa abstraiu tão bem: “As sete sereias do longe: si - mesmo, o céu, a felicidade, o longo atalho chamado poesia, a esperança vendada e a saudade sem objeto.”.
O verbo “buscar” trata sempre de descobrir, de encontrar. Quem busca, também procura, recorre a si mesmo. Uma busca é uma viagem, uma busca é uma jornada. Quem pesquisa; aquele vai o mundo inquirir, também busca. Quem busca vai ao encontro de algo ou de alguém. O particípio passado do verbo buscar é “buscado”, aquilo que está dado. O gerúndio, que muitos criticam, é segundo pesquisas recentes dos estudiosos da língua e da linguagem, uma forma avançada de se expressar. Ora, todo gerúndio pede uma espera. É como se o peregrino que vai de encontro a jornada manifestasse duas ações ao mesmo tempo: ele vai de encontro ao desconhecido, e ao mesmo tempo, ele espera pelo vento que toca seu rosto. Convido, porém, o leitor ao se imaginar um viajante de terras distantes, um Jean Valjean, por exemplo, que em certo momento para e reflete. E essa reflexão é fundamental para encontrar as marcas, os rastros, os vestígios. Assim, o título desta obra já é, per si, encantador. “Buscando vestígios” é uma obra fascinante deste o título.
Escreveu Izabella. Iza nos disse, em dado momento, neste fascinante livro: “Numa longa caminhada dissolveu-se meu pequeno ‘cosmos’. E me recompus num cosmos pluralizado, bem globalizado. Peregrinar é mergulhar no seu ‘eu’ mais verdadeiro, é medir os passos no compasso das suas forças… refletindo… pensando… meditando… resistindo… a cada minuto. (…) No peregrinar, vamos nos despindo de excessos, as tralhas pesadas, das mágoas severas que apertam os dias. É nessas horas que o lar ganha contornos gigantescos da grande morada, pois é então que redefinimos onde está nosso verdadeiro lar (…)”. De todos os contos, que neste livro são entremeados de crônicas belíssimas. Sim, o contista é também um cronista. E eu diria que o escritor bebe da fonte de dois entendimentos: o tempo cronológico (cronos) e o tempo como momento oportuno (kairós). Na mitologia grega, Kairós é filho de Chronos. Assim, Kairós é um aperfeiçoamento de Chronos, se o pai era quantitativo (se media em quantidade), o filho (era qualitativo, se medindo pela qualidade). Não é por nada que o catolicismo adotou kairós como o “tempo de Deus”, o tempo perfeito; enquanto chronos, a cronologia é o “tempo imperfeito”, o “tempo humano”. A Iza, nessa obra de paisagens belíssimas vai nos dizer desses dois tempos.
A memória é feita de lapsos temporais, assim eu aprendi. Outro ensinamento que me foi trazido diz que o pensamento é composto de duas partes muito importantes: a lembrança (o tempo passado), e o olhar instantâneo (momento oportuno ou presente). Nosso olhar capta em fração de segundos uma imagem, permitindo uma interpretação segundo nosso conjunto civilizatório, nossa experiência ou luz lembrada. Que fascinante é a mente humana! Amores, desamores, não há espaço para rancores do passado quando a mente se abre para novas experiências, para novas vivências. E quem viaja para uma terra desconhecida, quem revisita lugares que aqueceram o coração, vai ganhar um presente que vale mais do que gordas contas bancárias, ou o acúmulo de bens materiais. Uma viagem é um ganho de humanidade porque nos coloca diante de desafios: costumes, clima, língua estranha.
Revisitar a Itália sob a perspectiva da Iza é algo que encanta. Alie a isso uma narrativa leve, mas poderosa. Uma narrativa que descreve e contempla, ao mesmo tempo, uma obra de arte. Milão, Veneza, Baselga e Piné. O Trento! A Itália é um país fascinante porque incorpora a paisagem rural e urbana com as artes de séculos, em cidades que redescobrem como viver sob o céu da pós-modernidade. Da neve que cai ao reencontro de almas gêmeas. A felicidade é um conceito que a escritora redescobre. Para a Iza, a felicidade é, sim, “um minuto de distração quando somos presenteados com o inesperado frescor da vida. Sem expectativas, totalmente entregue à simplicidade do dia o fluir do tempo. Isso é a essência da felicidade”.
Como não se emocionar ao recontar as histórias de nossos ancestrais, de nossos imigrantes?! Quando eles cruzaram o oceano escuro para fazer a América, emigraram na esperança de uma terra prometida, de uma terra onde segundo a propaganda enganosa dos jornais, se colhia ouro em árvore. Nossos imigrantes que vieram em condições tão precárias quanto aos cativos africanos, eles conheceram aqui o cativeiro da terra. Vivenciaram no Brasil, o regime semifeudal que seus avós haviam lutado para se emancipar na Europa. Seria uma recorrência? Por que enfrentar tantas dores e dissabores no Brasil, quando já havia fome e frio na Europa? Izabella que é um pouco dos Caresia, dos Tomio, dos Pavesi, dos Vanelli, dos Demarchi, dos Paini… daquela gente que herdou a soma das culturas etrusca, celta, romana, bárbara, e veio construir uma vida melhor do outro lado Atlântico. Esse aspecto torna “Buscando vestígios”, uma importante obra para quem se dedica, também, a Genealogia.
Em última análise gostaria que o leitor fosse convidado a essa prazerosa leitura por meio de algo que eu vejo na Iza, na Izabella Pavesi, e que ela, pode reproduzir nesta belíssima obra. Há nesse universo, nesse nosso planeta, nessa sociedade que evolui, pessoas de caráter, pessoas humildes, gente que conquistou muita sabedoria – e que não se deixou escravizar por essa conquista. Sinto-me honrado e grato por dedilhar algumas linhas a respeito dessa obra que é o espelho das vivências da Iza. Como se aprende, quando a alma vai de encontro ao desconhecido. Alma peregrina que, ao caminhar, redescobre a jornada.
William Wollinger Brenuvida
Secretário da Oficial Academia Tijuquense de Letras
Ganchos, em 31 de outubro de 2015.