OcupAção - FOTOLIVRO (Coletivo Tenda Literária)
O fotolivro OcupAção, do coletivo Tenda Literária, é um delírio xamânico, um compêndio em que cada página folheada é um poema visual que trata o olhar com delicadeza sutil.
Coletivo cultural sem endereço fixo e voltado para as expressões da linguagem, o Tenda é uma tribo cujo nomadismo faz com que os saraus organizados pela trupe tenha sempre um ineditismo avassalador. Seja numa praça ou escola, na rua ou outro palco qualquer, a surpresa é o elemento que substancializa as ações que o grupo se propõe a fazer. As pessoas, na sanha febril sempre atrás do "ôro de tolo", de repente se vê diante de uma galera multicolorida, informal, sorridente, que transforma a palavra em bálsamo, o gesto em mel, e coloca o público todo fora do eixo comum dos dias. Assistir a uma apresentação do Tenda é ficar chocado com a realidade transfigurada pelo carinho primoroso e a beleza calorosa da poesia.
É disso que trata o livro que eles publicaram, através do programa VAI, da Secretaria de Cultura do município de São Paulo. Cada foto ali reproduzida mostra a transcendência do artista enquanto agente transformador da realidade. Mostra a arquitetura dos rostos desfigurada pela mudança mágica da palavra. Pra exemplificar, na página 13 temos um um senhor sentado, mãos cruzadas sobre os joelhos, os olhos nublados numa meditação longínqua, como a beber em haustos aquilo que está sendo proferido pelo Ruivo Lopes em primeiro plano, desfocado, microfone na mão, falando algo ou declamando algum texto. Não posso afirmar o que o poeta-educador está dizendo, mas deduzo que a atenção devota do homem ao fundo é um reflexo da carga imagética trazida pelas palavras auspiciosas que estavam sendo ditas pelo interlocutor à frente.
Só mais um exemplo: a foto na quarta capa do livro, que traduz a tensão gerada pelo encontro daqueles que se propõem a fazer e pensar fora da redoma institucional: o grupo reunido sem maiores alardes para a degustação artística (a primeira capa é o complemento da imagem de trás), e uma viatura da polícia, (desnecessariamente) ao lado, alerta com seus giroflex acesos indicando o ciúme/inveja, roubando com suas luzes atabalhoadas a atenção que só o arte deveria ter, no clicar da objetiva.
Olhar cada foto do livro (feitas por Célio Sales, com o subsídio generoso de Renata Xavier e Jorge Neto), é encontrar alguns dos vários sentidos da vida. Uns colecionam ouro, outros colecionam inimigos, mas tem gente que coleciona belezas. Não as midiáticas e sim aquelas que só puderam ser capturadas no instante exato do clique.
Contando com o apêndice de textos esclarecedores de Sacolinha, Edgar Izarelli, Lika Rosa, Daniel Marques, Rafael Carnevalli, Débora Garcia e Maria isabel Oliveira, o livro apresenta três seções: Ocupa Pessoas, com registro das expressões individualizadas no momento sublime da catarse artística; Ocupa Espaço, que coloca em relevo as ações nos diversos territórios por onde o Tenda circulou e o Ocupa Ideias, cuja ênfase está na composição dos múltiplos signos que contextualizam o fazer-em-si, processo que sintetiza a ideia de ocupação e a congregação coletiva.
As diversas simbologias que compõem o imaginário daquilo que é chamado periferia, traduzido em outras leituras por marginal, subúrbio, "fora do eixo", é um mundo ainda não descoberto pela "mass media", apesar do exotismo do tratamento intermitente dos últimos tempos. Ainda que a produção de bens culturais fora da ordem oficialesca não cesse nunca em sua fábrica repleta de experiências exitosas (que depois são fatalmente apropriadas por uma indústria cultural que traga e regurgita tudo o que se aproxima de seus tentáculos), o movimento de resistência desse caldeirão complexo e múltiplo chamado periferia, porém, dá tônus e fortifica a luta de protagonistas que fogem ao lugar-comum da hegemonia cultural e procuram lugar ao sol no diverso e no heterogêneo.
É disso que o livro OcupAção, do Tenda Literária, trata!
Frua-o!
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