Mulheres de cinzas, de Mia Couto

COUTO, Mia. Mulheres de cinza: as areias do imperador; uma trilogia moçambicana, livro 1. São Paulo: Companhia das letras, 2015.

“Era isso que sucederam em Nkokolani: a guerra fizera da Terra um cemitério. Um cemitério onde nenhum morto agora cabia”

Mulheres de cinzas, publicado no Brasil pela Editora Companhia das letras em 2015, é um livro perturbador. Toda a obra é composta de curtos 29 capítulos, distribuídos em 342 páginas. É narrado em primeira pessoa por dois personagens, Imani e Germano de Melo. Dois narradores contam, com perspectivas diferentes, uma mesma história, mas que a certa altura se cruza amalgamada com maestria por seu autor, o festejado moçambicano Mia Couto.

Primeiro romance da trilogia “As areias do imperador”, a obra constitui um apanhado da história moçambicana, notadamente o momento em que Ngungunyane, o último líder africano do Estado de Gaza, travava sua resistência à colonização portuguesa ao sul do país no final do século XIX.

A história acontece na comunidade Nkokolani onde vive “o clã dos Nsambe” e os demais integrantes da tribo dos VaChopi que resistia à invasão do imperador e seus VaNguni, seus soldados. É nesse lugar ermo e afastado e sob constante ameaça que o sargento português Germano de Melo cumprirá seu degredo, como pena por ter participado da Revolta de 31 de Janeiro, na cidade do Porto, uma vez que integrava um grupo de militares contrario ao Ultimato dos britânicos.

Em Nkokolani, Germano de Melo tem Imani, uma jovem de 15 anos, como intérprete e tradutora, não só da língua local, mas dos costumes tribais para com os quais demonstrava ceticismo. Uma aproximação que evidenciará e encurtará as distâncias entre dois mundos distantes, opostos: o do colonizador e do colonizado.

Enquanto Imani mostra a devastação provocada pela guerra e suas tradições atávicas, Germano de Melo apresenta toda sua decepção por um Portugal que considera covarde, rendido aos britânicos, ao mesmo tempo, fala da solidão que é viver em Moçambique, longe de sua pátria.

Em uma instigante história, construída com metáforas belíssimas, marca de Mia Couto, desfilam personagens cujos medos, tradições, ambições e desejos evidenciam o ambiente de guerra que habitam.

Imani vive os costumes do colonizador, prova disso é a destreza com que domina a língua portuguesa, fato que a faz ser rejeitada dentro da própria tribo por homens e mulheres. Sua mãe, Chikazi era constantemente agredida pelo marido, o alcóolatra Katini Nsambe. Enquanto aquela não aceitava a situação de incerteza que vivia, este preferia a cortina do silêncio, assim não chamava a atenção de ninguém:

No final, enquanto lavava as mãos, a mãe murmurou, com irreconhecível voz:

- É preciso fazer qualquer coisa.

Meu pai Katini Nsambe, franziu o sobrolho e argumentou: ficar quieto e calado seria o melhor modo de responder. Éramos uma nação ocupada e convinha passarmos desapercebidos. (COUTO, 2015, p. 23-24).

Imani tinha ainda dois irmãos, Mwanatu, mais jovem, “educado nas letras, números e rituais católicos e lusitanos”, servo fiel do sargento Germano de Melo e motivo de chacota da tribo, pois acreditava ser verdadeiramente um soldado quando, na realidade, era um palerma cuja vassalagem divertia o português; e, Dubula, o mais velho que, ao contrario do irmão, obedece aos rituais tradicionais de seu povo, indo mesmo juntar-se aos guerreiros do imperador.

Compunha também o “clã” dos Nsambe o avô de Imani, Tsangatelo, que abandona a família para viver no fundo das minas com um jovem. Havia ainda a Tia Rosi, uma feiticeira casada com Mussisi, irmão de Chikazi. Mussisi e Katini Nsambe disputavam o direito de exercer a autoridade sobre toda a família na ausência do avô.

Já o sargento Germano de Melo narra os fatos por meios de cartas. Estas são direcionadas ao Conselheiro José d’Almeida, que assim como Mousinho de Albuquerque, é apenas mencionado na obra. Entretanto, descobre-se que as cartas eram interceptadas, quem lia e respondia todas elas era o tenente Ayres de Ornelas. Há outros personagens, mas estes são os mais expressivos no enredo.

Os dois narradores contam como ocorreu a invasão de Nkokolani pelos VaNguni. Há um rastro de destruição e a comunidade torna-se um cemitério banhado de sangue, como alude a epígrafe. Dentre os mortos está o guerreiro Dubula, filho predileto de Chikazi, que por tristeza rompe o fino fio da vida. Com o suicido da esposa, Katini Nsambe e a comunidade ficam revoltadas com o abandono da colônia. Nesse conflito, o sargento Germano de Melo é gravemente ferido por Imani, que evitou a morte de Mwanatu. Imani passa a cuidar de Germano de Melo, que teve as mãos decepadas e que também parece ter sido abandonado em seu degredo.

A história termina com a fuga dos poucos sobreviventes numa canoa pelo rio Inharrime numa incessante fuga... da guerra e dos traumas que esses conflitos lastreiam.

Regilane Barbosa Maceno

Regilane
Enviado por Regilane em 17/01/2016
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