Resumo - A Identidade Cultural na Pós-Modernidade

A IDENTIDADE CULTURAL NA PÓS-MODERNIDADE (STUART HALL)

O livro é pequeno e de fácil leitura, mas sua problematização é considerável: a suposta crise da identidade no final do século XX. As mudanças na sociedade moderna seriam várias e decorreria disso um abalo nas estáveis referências identitárias – como gênero e raça. Hall não compra essa ideia desde o início, porém deixa clara a sua posição, que é  “basicamente simpática à afirmação de que as identidades modernas estão ‘descentradas’, isto é, deslocadas ou fragmentadas” (p. 08).

Seguindo nessa interpretação das mudanças na sociedade moderna, invoca o que alguns autores vêm dizendo sobre a chamada modernidade tardia – ou seja, sobre nossos dias. Hall identifica neles uma imagem convergente; nela, surge uma sociedade que não se presta mais a delimitações claras e unificações decisivas pois é uma sociedade sempre descentrada e, por consequência, as identidades sofrem grandes deslocamentos. O ponto crucial é que as identidades não são mais centrais ou totais, como que rendendo o indivíduo por completo; ao contrário, as identificações podem ser obtidas, perdidas e negociadas conforme as situações se apresentam.

Hall traça também a trajetória do sujeito moderno. Relembrando o Renascimento do século XVI e o Iluminismo do XVIII, estabelece o surgimento do sujeito tido como pleno de poderes, capacidade, razão e consciência. Contudo, ainda no século XVIII a sociedade veio ganhando em complexidade em todos os seus níveis e o indivíduo precisou ser localizado dentro das estruturas sociais. Por mais que o sujeito ainda fosse tido como sujeito da razão e da consciência, acentuava-se a percepção sobre seu processo de socialização.

Por mais que o processo não tivesse ali se iniciado, esse sujeito de razão e consciência só começa a sofrer abalos decisivos conforme o século XX se desenrola. E para tanto algumas teorias foram fundamentais.

O marxismo, reexplorado na década de 1960, ao investir no condicionamento histórico do homem atentou contra concepções essencialistas desse homem. Freud, por sua vez, trouxe pelo menos dois elementos importantes: um novo fator humano a ser considerado, que era o inconsciente (uma parte de nós que não era governada pela razão), e a concepção de uma identidade que é construída desde a infância a partir de um processo identitário constante (que sempre leva em consideração um Outro envolvido). Saussure, na linguística, evidencia o caráter social da língua, e que falar algo é ativar uma complexa rede de significados cambiantes e instáveis. Outra teoria fundamental ao descentramento do sujeito foi a de Foucault. Sua análise do poder disciplinar ressalta o isolamento, a vigilância sobre o sujeito, o que torna seu corpo dócil, mas também o individualiza enormemente. Por fim, o feminismo; militante, teórico, histórico e identitário, o movimento feminista ressaltou que o pessoal também é político e que há grandes construções em torno dos nossos gêneros. Todas essas teorias constituem o que Hall chama de mudança conceitual, que descentrou o sujeito iluminista da razão, detentor de uma identidade fixa e estável, e expôs a forma das identidades do sujeito pós-moderno: abertas, contraditórias, inacabadas e fragmentadas.

Feita essa exposição é que fica mais clara as três concepções de identidade, ou tipos de sujeito, às quais Hall se refere no livro:

1)Sujeito do iluminismo, que era a pessoa vista como tendo um centro, totalmente apta a ação, consciência e razão, sendo a identidade um núcleo uniforme por toda a vida.

2)Sujeito sociológico, que era a pessoa de uma modernidade complexa, portanto, a identidade como fruto de intersecções entre sociedade e o eu, resultado de diálogos com a exterioridade.

3)Sujeito pós-moderno, que é a pessoa fragmentada portadora de identidades diversas e inclusive contraditórias entre si, portanto, sem coerência, unidade ou fixidez, mas sim com desconcerto, multiplicidade e mutações.

Hall passa a discutir a cultura ou, mais propriamente, a identidade cultural, particularmente representada na identidade nacional. Por certo que não nascemos já possuídos por qualquer identidade cultural. A nação e nosso sentimento de pertencimento nacional são representações modernas. É através de discursos (e não coisas fixas, dadas ou naturais) que a nação surgirá e assim possibilitará uma identidade nacional. Histórias, memórias, representações, são essas coisas que balizam identificações e identidades, e a pretensão de uma cultura nacional é justamente unificar seus membros em torno de uma identidade cultural única.

Contudo, em termos históricos e concretos, nações surgem de violentos processos em que diferenças culturais são suprimidas. Ou seja, sempre há diferenças e camadas heterogêneas, mesmo que o discurso insista em uma suposta identidade nacional coerente e unificada. Daí Hall afirmar que as “nações modernas são, todas, híbridos culturais.”(p. 62). A cultura nacional tenta convencer da igualdade geral, mas as diferenças não podem ser assim simplesmente subtraídas.

A globalização, por sua vez, parece ser a resposta de como é que estas identidades nacionais vão sendo descentradas. Tempo e espaço que ganham novos contornos e com consequências para as identidades já que tempo e espaço são, conforme diz Hall, duas coordenadas básicas para qualquer representação identitária; as identidades “estão localizadas no espaço e no tempo simbólicos”(p. 71). Com espaços reduzidos e tempos encurtados, as identidades passam a ser p​artilhadas: consumimos os mesmos bens, os mesmos serviços, somos alvos das mesmas mensagens e imagens. As identidades vão de desvinculando, desalojando, se tornando diferenças diante das quais podemos fazer escolhas enquanto consumidores.

 

 

Contudo, Hall contesta o fatal e simplista diagnóstico de uma homogeneização das identidades nacionais. A globalização não é tão potente e uniforme sobre o globo terrestre, e por outro lado vale mais a pena notar como local e global entram em um novo e complexo tipo de relação, que produzirá novas formas de local e global, descartando assim a simples homogeneização. Uma mesma abordagem alternativista Hall apresenta sobre o crescente contato entre culturas nacionais: o alargamento do contato entre diferentes culturas, entre culturas dominantes e estrangeiras, enquanto possibilidade do surgimento de novas identidades. No bojo da globalização o que se vislumbra então é um efeito “pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificações, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas.” (p. 87). Entretanto, assim como diferentes teóricos da pós-modernidade argumentam, é um caminho com seus espinhos. Estar contido nessas culturas híbridas de identidades não-unificadas é abdicar ao sonho de pureza ou unidade, é estar sempre entre (no mínimo) dois lugares que precisam ser traduzidos e negociados entre si.

Os espinhos existem também em duas possibilidades que são como que o verso da diversidade e do hibridismo, que é o nacionalismo e o fundamentalismo. O nacionalismo funda-se em uma imaginada, mas impossível, unidade dum povo, nação ou etnia. Já o fundamentalismo é mais diverso, sendo mais conhecido através da ortodoxia religiosa de alguns países do Oriente Médio. O que Hall quer ressaltar é que ninguém previa que essas duas possibilidades seriam tão significativas e concretas. Afinal, fosse pelo lado dos contrários ou protagonistas na globalização, imaginava-se um ‘local’ que perderia espaço para o universalismo cosmopolita, enquanto concomitantemente a modernidade dissolveria apegos tradicionalistas. A etnia, que pela lógica deveria morrer, é ressuscitada na globalização como recurso unificador.

Hall finaliza o livro retomando seu argumento contra as posições extremadas: a globalização não está sendo o unânime domínio do ‘global’ e nem a contrarrevolução nacionalista do ‘local’. O que ocorre são deslocamentos de globalização mais complexos. E é preciso notar que a globalização parece ser levada a cabo em muitos aspectos pelo Ocidente, mas é o próprio ocidente quem está sofrendo o descentramento.

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