ESSA TERRA

TORRES, Antonio. ESSA TERRA. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Antonio Torres, romancista baiano, nasceu em 1940, tem uma vasta obra literária traduzida em diferentes países: Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos e Israel. Morou em Portugal por três anos, atualmente vive no Rio de Janeiro. Obras como O cachorro e o lobo e Essa terra foram bem recebidas pela crítica. E é justamente o romance Essa terra, com o posfácio de Vânia Pinheiro Chaves que irei apresentar de forma singular as primeiras impressões do livro desse grande escritor que eleva para o topo a literatura da Bahia.

Essa terra, romance de ANTONIO TORRES retrata o drama de uma família moradora do sertão baiano, na pacata e atrasada Junco, atual cidade de Sátiro Dias que vê o primogênito Nelo, filho do Sr. Antão, mais conhecido na cidade com Sr. Totonho, migrar para São Paulo. Nele todas as esperanças de dias melhores são depositadas. A trajetória de Nelo e demais parentes é marcada pelos desacertos narrados pelo irmão mais novo, Totonhim, o personagem-narrador do romance.

O que a cidade grande oferece a Nelo e a muitos nordestinos despreparados para enfrentarem as exigências do mercado de trabalho? Como se deu o abraço do progresso paulistando com o nordestino de Junco? Será que o sonho da cidade grande não poderá se transformar em pesadelo? Vamos seguir a narrativa de Torres numa tentativa de responder as questões.

O livro ESSA TERRA é dividido em quatro partes. E em todas elas conseguem prender a atenção do leitor do início ao final, pois é dificil não se solidarizar com a dor de Nelo e da sua mãe que não conseguem lidar com as perdas, decepções, revoltas ao vê todos os sonhos depositados no filho mais velho, morador da cidade grande indo por terra, sem nenhuma chance de reacendê-los.

O romance traz como marca o processo migratório, marcado pela total desterritorialização do ser com todas as problemáticas e crises identitárias. Assim, chama a atenção a partir dos títulos de abertura dos quatro capítulos: “Essa terra me chama”, “ Essa terra me enxota”, “ Essa terra me enlouquece” e “ Essa terra me ama” como em círculo, a mesma terra que chama é a mesma que expulsa aos seus filhos por conta da falta de emprego e perspectivas de mudança. Os “expulsos” da terra tem consciência que um dia retornarão, pois a afinidade com o local não desaparece.

Nelo migra para São Paulo e por lá passa boa parte da vida. Se no início havia condições de enviar algum dinheiro para mãe, com o tempo as necessidades aumentaram e o que Nelo ganha não dá nem para a própria sobrevivência. Constitui família, mas vê a mulher fugir com seus filhos em busca de outras oportunidades de dias melhores. Desterritorializado, Nelo percebe que nada construiu durante os vinte anos na cidade grande. Os sonhos tornaram-se utópicos e os pesadelos aparecem, ele passa por todas as humilhações possíveis na cidade de São Paulo. E quando se vê no fundo do poço, doente, fragilizado, revoltado, agredido, humilhado, resolve voltar para Junco, a terra natal que acreditava que o Nelo era o filho rico do Sr. Totonho.

No entanto, Nelo retorna mais pobre que todos daquele local, e diante de tantas expectativas que fora criado em torno de filho primogênito, ele não consegue encarar os pais e comete o suicídio por meio do enforcamento na sala principal da casa dos pais. O irmão mais novo, Totonhim, coube a incumbência de informar aos pais e arcar com todas as despesas feitas durante as quatro semanas que passara na terrinha.

A morte de Nelo impacta a cidade de Junco juntamente com a mãe do rapaz, diante dessa dura notícia enlouquece, e mais uma tarefa árdua é deixada para o Totonhim: ser o responsável para cuidar de toda a papelada para o internamento. Assim, o personagem-narrador faz, apesar da quantidade de irmãos espalhados, a mãe só percebia Nelo como único capaz de salvá-los daquele ambiente de miséria. E ao cumprir as obrigações com o funeral do irmão e internamento da mãe, Totonhim resolve ir também para São Paulo.

O livro de Antonio Torres retrata com grande propriedade o processo migratório dos sertanejos para São Paulo e toda a violência que muitos sofrem na cidade grande, indo além das agressões físicas, mas morais e psicológicas. Nelo é mais um “condenando que vai para o inferno” conforme gritava o doido “Alcino” ao anunciar o suicídio do rapaz. Talvez, pela pouca memória, não sabia que inferno, Nelo já estava vivendo há muito tempo. Desempregado, sem contato com os filhos e esposa, sem dinheiro reservado, vê-se obrigado a retornar para o interior baiano, para uma cidade em decadência que ele havia deixado para traz há vinte anos.

O escritor baiano consegue mostrar que por mais que a terra enxota e enlouquece, ela consegue despertar o amor. E quando todos abandonam é para a terra que o filho volta. E isso, no final do romance o personagem-narrador, o Totonhim que jamais havia sido notado pela mãe, pois para ela era sempre o Nelo que ocupara toda a vida., resolve seguir o percurso do irmão, pede demissão do emprego da prefeitura e anuncia a sua viagem marcada para São Paulo, talvez, ele busca na fuga uma forma de ser notado e amado também.

Junco como muitas outras cidades nordestinas não consegue manter os “pássaros” sob as próprias “asas”. E a busca da liberdade sem a qualificação profissional, muito bem exigida no mercado de trabalho, muitos “voos” são rasteiros, não conseguem se distanciar do solo, ganhar altura e confiança. E o texto de Torres com grande propriedade mostra uma São Paulo distante, fria, insensível, contraditoriamente desejada, sonho de consumo de moradores nordestinos que a construíram em seus imaginários como um grande berço da civilização e consequentemente riqueza. E o ir para aquele “paraíso” representava para o lugar, melhorar de vida, compartilhar daquela riqueza.

Enfim, Antonio Torres tira toda a maquiagem do “Eldorado” e mostra crua e competentemente a saga de uma família de sertanejo quando perde duplamente o filho Nelo, primeiro, para São Paulo e após tanto tempo de expectativas de retorno, perde para a própria Junco, atual cidade Sátiro Dias, deixando-a sem ter em quem depositar os sonhos de progresso e melhora. Ao mesmo tempo, o romance mostra de maneira circular que a vida prossegue, outros sonhos nascem. Talvez, com os mesmos destinos fadados ao fracasso como os antigos, mas a terra de origem impulsiona fantasiar, querer algo melhor, mesmo sendo uma terra infértil, árida, enlouquecedora e castradora de sonhos, mas em “Essa terra” os sonhos continuarão existindo.

E. Amorim/ 2014