História de uma mulher que morreu por tentar viver o seu amor
"Foi dito a vocês: amais-vos uns aos outros e vocês se devoram (...). Vocês esqueceram o que é ser humano. As hienas, os répteis, os porcos não fazem mal um aos outros como vocês sabem fazer" (pág.42)
A ira contida nas palavras acima foram extraídas do texto do lançamento Sitt Marie Rose – Amor e sangue no Líbano (Sitt Marie Rose, tradução Lucy Magalhães, Fissus Editora, 104 pp, R$ 24,90) da escritora libanesa Etel Adnam, demonstra o tom triste e cruel da desagregação, da guerra e dos sentimentos diversos que passam entre os personagens do romance.
A narrativa, baseada em fatos reais, é ambientada na capital libanesa, em 1975, durante a guerra civil. Beirute explodia e seus destroços caíram sobre os refugiados palestinos jordanianos, trabalhadores sírios, mulheres e crianças. As tensões entre as forças políticas – uma minoria crista, dominante e uma maioria, árabe, dividida em sunitas, xiitas e drusos, foram a principal causa do conflito, fragmentando o governo e deixando o país um caos.
È nesse ambiente que a bela professora Marie Rose (Sitt, é senhora na língua do país), cristã de família, feminista, ousou trabalhar com crianças árabes, enquanto ninguém queria, e se essas crianças fossem surdas-mudas, o desafio era maior. Enamorada de um médico palestino, que conheceu no campo de refugiados, prestando auxílio às vítimas da guerra. Por causa de sua coragem em desafiar o preconceito, foi torturada e morta, na presença de seus alunos, pelas mãos de ex-colegas da escola, todos cristãos.
Usando diferentes vozes aos seus personagens, a autora cria, com maestria, a visão de cada participante do seqüestro, tortura e assassinato: da vítima, de um ex-namorado seu, líder da Falange Cristã – organização autora dos castigos infligidos a professora e a condenação a morte – de seus comparsas, de um monge que ungiu sua morte e que esperava que era renunciasse ao caminho que estava levando e das crianças que presenciaram o crime.
A autora mostra a brutalidade de um regime preconceituoso e que de maneira tribal dar fim à vida a quem não "entrasse no rumo certo" para dar exemplo. Homens que em seu aspecto moderno, são primitivos fora do tempo. Uma história de vários personagens que se relacionam com a principal protagonista da narrativa, a cidade de Beirute, um colcha de retalhos étnica.
Como Mona Takieddine analisou: "Etel superou a raiva, o ódio da violência que viu naqueles anos escrevendo esse romance moderno ". Um livro que de forma trágica, como um Shakespearre ou um Eurípedes.
Ótima leitura.