Apresentação do livro “O mundo recôndito das Sociedades Secretas”
É com grande satisfação que estou aqui a convite do amigo Márcio J. S. Lima para apresentar seu livro O mundo recôndito das Sociedades Secretas.
Tive prazer de conhecê-lo recentemente, depois que ele resolveu inscrever-se a participações na Oficina de Literatura, que ministro na qualidade de Coordenador de Literatura e Memória Cultural da Fundação Espaço Cultural da Paraíba, tendo sido ele (esperando-o continuar a ser) um de seus mais assíduos frequentadores colaboradores – já que, na qualidade de “facilitador”, a despeito de que, ao longo de meus 54 anos atuais, depois de ter me afastado dos exercícios acadêmicos, eu tenha me dedicado ao conhecimento de muitas questões, quer de grande como de nenhum interesse geral – nunca me sentindo suficientemente sábio (ou “sabido”) a não estar aberto para aprender com aqueles que, mesmo não tendo o número de horas de estudos autodidatas que tenho, sabem mais que eu muitas outras coisas e fazem questão de procurar repassá-las aos outros.
Não pela dose extra de autoestima e aumento de nossa vaidade intelectual que os aplausos podem nos acrescentar, mas porque, como Márcio, se sentem ao mesmo tempo satisfeitos e obrigados partícipes da construção de pessoas melhores em suas marchas ao desenvolvimento de nossa plena humanidade – se é que isso nos é mesmo possível.
Graduado em História e Filosofia, Márcio Lima é pós-graduado em História do Brasil e é Mestre em Filosofia, atualmente dedicando-se às pesquisas sobre o pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, além de andar a realizar doutorado pelo Programa Integrado de Doutorado em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba.
Para começar essa apresentação, gostaria de referendar citação do soldado francês Napoleão Bonaparte, presente na abertura do livro de Márcio: “O que é a história, senão uma fábula sobre a qual todos concordam?” – disseram ter dito ele, e então seremos forçados a admitir nossa ignorância acerca de certos fatos universais e o engodo impetrado à maioria de nós pelos que, sem escrúpulos, motivados por poderes e poderosos ocultos, e pelo milenar desejo perverso de dominação de corpos e mentes, inventam “fatos” a tentar nos convencer como “tudo” aconteceu.
Mas, como Napoleão, há os que, desconfiando da presença da mentira como fundamento de boa parte daquilo que historicamente passamos a considerar “verdades”, filósofos e artistas de todas as vertentes exercitaram e exercitam a sensibilidade, a inteligência e seus sensos críticos a denunciarem as fantasias que, aquém e para muito além do Carnaval, têm nos vestido a nos fazerem pensar ser (ou desejar ser) quem não somos e não podemos ser – ao mesmo tempo em que nos procuram convencer que “não foram” ou que “não são” de fato bons ou maus muitos dos que foram e são.
Nesse intento, partindo dos arrolamentos primários que se dão nas famílias, das primárias relações entre pais, mães e filhos, irmãos e primos, tias e tios, cunhados, cunhadas e posteriores agregados é que os primeiros procedimentos secretos são iniciados. E então, como me alertou um conhecido, “da Igreja ao cabaré” são inevitavelmente desenvolvidos à dinâmica em todo âmbito da sociedade, já que não há nenhuma dúvida de que seja a família, suas virtudes e, mais, seus vícios, a célula fundamental onde são (secretamente) forjadas todas as relações sociais.
Para continuar a apresentação do livro O mundo recôndito das Sociedades Secretas – e mesmo que, um tanto inutilmente, espere que muitos de vocês não bocejem entediados com o que aqui digo e vá dizer a denunciarem não apenas suas reações as estafantes e um tanto inúteis labutas da vida cotidiana, mas a falta de interesse real no assunto abordado pelo livro de Márcio – gostaria de expor breve explanação sobre o que seu autor chamou de “Falsos segredos”, dando-me o direito de, já que abordamos aqui “coisas” secretas, não revelar seu nome, uma vez que será inevitável a rejeição de muitos as verdades que ele expôs tão somente porque seu nome pode causar-lhes uma preconceituosa repulsa e intransigente recusa de sua pessoa como honesto denunciante dos fatos que revela; como nos causa repulsa pensar que o diabo, por intermédio de seus porta-vozes, possa ser mais verdadeiro em seu sedutor falatório do que Deus:
“Não há, no jornalismo ou nos debates em geral, atitude mais indigna, mais abjeta e, no fundo, mais ridícula, do que tentar impugnar uma denúncia sob o pretexto de que ela é “teoria da conspiração”. Numa era em que as polícias secretas, os serviços de inteligência e as organizações clandestinas de toda sorte cresceram até alcançar dimensões planetárias e agiram mais intensamente do que em qualquer outra época da história, a presunção de tudo explicar só pelos fatos mais visíveis e notórios é, francamente, de uma estupidez sem limites. Não estranha que essa recusa dogmática de encarar o óbvio tenha instalado suas trincheiras precisamente na mídia e nas instituições de ensino – os dois pilares em que se acenta o trono da ignorância contemporânea. Quando entidades tão vastamente poderosas como o Grupo Bilderberg (ou em escala local, o Foro9 de São Paulo) são tratadas como inexistentes ou irrelevantes, ao mesmo tempo em que os formadores de opinião tentam impingir a si próprios e ao mundo a mentira tola de que não existe poder fora das entidades oficiais e dos interesses financeiros mais patentes, está claro que o debate público se tornou apenas uma modalidade coletiva de defesa psicótica contra a realidade.
“Porém, como toda crença imbecil que se arraiga na alma das multidões, essa também é uma profecia autorrealizável. A proibição de discutir seriamente um assunto importante faz com que dele se apossem charlatães, malucos e gozadores que, por impulso próprio ou mesmo a serviço de entidades interessadas em camuflar seu segredo sob densas camadas de lendas e mentiras, dejetam no mercado uma inesgotável subliteratura com presunções de “história secreta”, alimentando no público as fantasias mais extraordinárias e atravancando de detritos o caminho do estudioso sério que busque se orientar nesse selva selvaggia. É a profusão desses fenômenos que infunde na expressão “teoria da conspiração” uma carga pejorativa que o termo, por si, não comporta, fazendo dela uma vacina quase infalível contra a percepção de fatos genuínos e bem-comprovados.
“Boa parte desse lixo editorial pode ser identificada à primeira vista por um traço comum: organiza montanhas de informações, linearmente coerentes – mas protegidas de qualquer confronto com as informações adversas – para provar que todo mal do mundo provém de uma determinada fonte em particular, que em si mesma nada tem de secreta. Os culpados de plantão full time são os judeus, a maçonaria, a Igreja Católica, o Império Britânico e a CIA (o KGB é misteriosamente poupada: os livros contra ela acusam-na quase sempre de algum delito específico e até minimizam a dimensão do seu poder geral). O remédio mais eficaz contra esse tipo de intoxicação é ler vários desses livros de uma vez, misturados, de modo a que a profusão de suspeitos dissolva as acusações pendentes contra cada um em particular e, ao fim da leitura, você se veja obrigado a admitir que está de volta ao ponto em que estava antes de começá-la: você não tem a menor ideia de quem é o culpado dos males do mundo. Isso é tudo que você pode aprender com esse gênero de livro. Nesse sentido, são até úteis: a confissão de ignorância é o começo da ciência.
“O segundo passo é admitir algo que deveria ser autoevidente desde o início: não é possível que todos os empreendimentos secretos sejam obra de entidades publicamente conhecidas. Pelo menos algumas organizações secretas, o que significa que nem mesmo se parecem com organizações. Por exemplo, os acordos discretos entre famílias arquipoderosas, mos pactos informais entre megaempresários, o juramento de obediência de um fiel islâmico a um sheikh que ninguém de fora conhece, as sessões mais interiores dos serviços de inteligência (ignorados até pela massa de seus servidores oficiais), as esferas mais altas e reservadas de algumas sociedades ocultistas, as conexões discretas entre organizações criminosas e entidades legalmente constituídas: nada disso tem sequer um nome, nada disso é propriamente uma “organização” ou “entidade”, mas um pouco de estudo basta para mostrar que aí estão as fontes invisíveis de muitas decisões históricas, frequentemente catastróficas, que proliferam em efeitos horrivelmente visíveis quando já ninguém tem condições de averiguar de onde vieram. Não tendo um nome pelo qual identificá-las, designamos essas redes de conexões, em geral, pelas denominações das entidades mais ostensivas que lhes servem de canal, de ocasião ou de camuflagem. Dizemos que tal e qual medida foi imposta pelo Grupo Bilderberg, ou pelo Council on Foreign Relations, quando na verdade veio de meia dúzia de membros dessas entidades, unidos sem rótulos ou bandeira, frequentemente pelas costas dos demais. Dizemos que tal desgraça foi tramada pelo foro de São Paulo, mas queremos nos referir a conversações discretas (...), travadas longe das assembleias ou grupos de trabalho daquele órgão. Esse uso dos nomes de entidades – praticamente o único à disposição de quem deseja falar desses assuntos – é indireto, metonímico. Não designa o sujeito real da ação, mas uma de suas aparências. Aí torna-se fácil, para o guardião do segredo, absolver o culpado mediante a simples artimanha verbal de inocentar as aparências. Praticamente tudo o que se escreve na mídia sobre o Foro de São Paulo, sobre os Bilderberg, sobre o CFR, sobre o governo mundial e assuntos correlatos vem contaminado por esses equívocos propositais.
“Ocultistas devotos professam a crença de que ‘o segredo se protege a si mesmo’. Crença falsa. O que protege o segredo são os falsos segredos.”
Pois bem (e ainda que “muito mal” nos possa parecer): é com que parece concordar o pesquisador da história das sociedades secretas Márcio J. S. Lima que, em seu livro, no capítulo inicial intitulado O acontecimento e as sociedades secretas, e mesmo estando entre os acadêmicos que consideram tão somente “fatos” os estudados (e muitas vezes forjados) pelos que nos contam a História, diz que determinado acontecimento “não estar no âmbito da pesquisa acadêmica e não ser reconhecido como objeto de estudo da história-ciência não quer dizer que o evento esteja fora da realidade histórica”, dito que eu encerraria com a palavra “realidade” retirando dele o termo “histórica” – tendo em vista que, como observamos, somente o estudo “acadêmico-científico” tem sido parâmetro a se determinar, muito arbitrariamente, o que faz e o que não faz parte da História e, por conseguinte, da Realidade; e mesmo que reconheçamos tal Realidade composta por inúmeras contraditórias realidades históricas que, malgrado nossos esforços a integrações e inclusões, tendem a promover cada vez mais a segregação do que deveria sempre ter sido reconhecido inteiro.
Mas depois de ter sido eu porta-voz de grandes verdades, ditas por aquele autor de quem propositadamente segredei o nome, quero continuar a referendar os escritos do livro de Márcio que, escrevendo na primeira pessoa do plural – como sugere a Academia que assim devemos proceder – em páginas iniciais esclarece: “Não pretendemos aqui fazer uma exposição minuciosa sobre nenhuma sociedade secreta específica, mas tão somente apresentá-la segundo o contexto social em que elas estiveram inseridas. Pois, dado o elevado número de sociedades secretas ativas e inativas, por mais que almejássemos, nunca conseguiríamos abordá-las de forma considerável em apenas uma obra”, aproveitando para “pedir de forma humilde ao leitor” – naturalmente ao leitor e a leitora interessados no assunto – “que não encerre sua curiosidade apenas nestas poucas páginas, mas que também dê continuidade à pesquisa através de outras leituras”.
Para não provocar mais bocejos, ou correr o risco de ser mal interpretado defensor desta ou daquela ideia nefasta – o que não raro tem me acontecido – quero encerrar esta apresentação agradecendo mais uma vez o convite de Márcio a realizá-la, parabenizá-lo pelo trabalho e agradecer-lhe também por sua confiança em que eu sou capaz de ensinar-lhe, como a outros, algo realmente importante sobre o que ele ainda desconhece, esperando sinceramente me conter a não lhe revelar mais que o necessário à obtenção dos conhecimentos essenciais que, como um grande esperançoso em tempos melhores por virem – e ainda que não possa usufruir deles – creio poderem nos conferir finalmente o status de verdadeiros seres humanos.
Pois, como nos disseram os que contaram a história cristã ter dito Jesus Cristo, a despeito de que possa existir muito da grande Verdade ainda por ser revelado – e mesmo àqueles incapazes de enxergar, embora dificilmente aos incapazes de ouvir – penso que, malgrado meus grandes equívocos, para o bem de muitos bilhões de indivíduos que compõem nossa sociedade planetária há muitos fatos que, considerados procedentes de “estranhas realidades”, quer maravilhosas ou horripilantes, deverão permanecer para sempre desconhecidos.