O mistério de Humberto de Campos

O MISTÉRIO DE HUMBERTO DE CAMPOS
Miguel Carqueija


O que terá acontecido com Humberto de Campos (1886-1934) no final de sua vida? Maranhense, terminou seus dias no Rio de Janeiro, onde foi deputado e também membro da Academia Brasileira de Letras.
O livro póstumo “Fragmentos de um diário” chega a ser pungente. O ilustre cronista tinha família, mas de repente já não fala nela. Antes da revolução de 1930 ele era deputado. Morava com a esposa, tinha filho.
O exemplar que eu li faz parte de uma grande edição de 1960, das obras completas de HC, por W.M. Jackson Editores.
Em 1931 seu diário fragmentado – de fato meses são pulados, não há continuidade – fala na cegueira que ia avançando, a perda de uma vista, o enfraquecimento da outra. Campos cai na depressão. Queixa-se de ter de escrever crônicas para os jornais diários, dependia disso para sobreviver e não podia se dedicar a uma obra literária. Creio que desejava escrever romances, mas não o fez. O pior é que, dada a doença que lhe corroía a vista e outros achaques, o médico lhe recomendara não trabalhar muito, recomendação impossível de cumprir:
“Eu sou, positivamente, um homem que vai nadando no mar alto para se salvar e a quem gritam, de súbito:
— Não nades, desgraçado, que tu sofres do coração!”
HC mergulha no pessimismo, na crise de baixa-estima. Em 14 de agosto de 1931 lança:
“A idéia da cegueira sugere-me a modificação do título deste “Diário”. “Diário de um enterrado vivo”, eis o nome que, talvez, venha a caber neste livro.”
Referindo-se, em 30 de junho de 1931, aos “altos prazeres do espírito” (por ser intelectual), desabafa:
“Que seria de mim, na verdade, sem essa bênção do céu, ao sentir-me no limiar da velhice, pobre, doente, feio, quase deformado e, sobretudo, sem amigos?”
Ora bem: poucos anos antes este homem que, com 45 anos já se sentia quase velho, era deputado, escritor muito lido e, viajando pelo país, em cada cidade era festivamente recebido pelas altas autoridades, até presidentes de estado (como eram chamados então os governadores). E, além do mais, membro da Academia Brasileira de Letras, onde interagia com outros autores famosos como Coelho Neto.
O que aconteceu com esse homem tão importante nas nossas letras? Por que ele não tinha amigos, um sequer, como deixou lançado nesta obra póstuma?


Rio de Janeiro, 5 de junho de 2015.