PEDAÇOS DE UMA VIDA - A PROSA APURADÍSSIMA DE TRUMAN CAPOTE

por Enzo Carlo Barrocco

A Companhia das Letras lançou no final do ano passado o livro “20 Contos de Truman Capote” (2006, 280 páginas) condensando 40 anos do trabalho ficcional deste autor americano. A evolução na prosa de Truman Capote (1926-1984) pode-se sentir cronologicamente a cada conto deste livro que é de uma técnica que vai se aprofundando a cada novo título. Destaque para três excelentes momentos: As paredes São Frias, Pechincha e Um Natal. Capote teve uma infância conturbada por culpa exclusiva dos pais que o deixaram aos cuidados de parentes. Apenas a sua prima Sook Faulk o compreendia de modo mais terno. Aliás, Faulk aparece em alguns de seus contos. A descrição da vida adulta do autor é mostrada através de relacionamentos vazios, luxúria e loucura cometidos pelo pessoal abastado de Nova Orleans (onde o autor nasceu) e Nova York, cidades que Capote tinha um tanto de intimidade. O passado do escritor é facilmente notado em alguns contos, entretanto não há uma divisão estanque no livro entre a infância e a vida adulta, visto que, esses contos não tratam de uma autobiografia, mas sim, pedaços de acontecimentos na vida do escritor. Capote faz magistralmente a descrição dos lugares, objetos, cenários, fins de tarde. Ele foi um dos representantes do chamado New Journalism e esta técnica, digamos assim, em muito contribuiu para a sua evolução criativa. Portanto, “20 Contos de Truman Capote” nos leva ao mundo conturbado deste excelente escritor americano.

TRECHO DO CONTO “AS PAREDES FRIAS”

(...)

"Bom, vou dizer uma coisa para você, eu não me dou bem com esse tipo de vida, não gosto de outros homens mandando em mim. Você gostaria?"

Em vez de responder, ela pôs um cigarro na boca. Ele segurou o fósforo para ela, e ela deixou a mão roçar na dele. A mão dele tremia, e a chama não estava muito firme. Ela tragou e disse: "Você quer me beijar, não quer?".

Olhou atentamente para ele e viu o rubor se espalhar lentamente por seu rosto.

"Por que não quer?"

"Você não é esse tipo de garota. Eu teria medo de beijar uma garota como você, além disso você só está caçoando de mim."

Ela riu e soprou uma nuvem de fumaça em direção ao teto. "Pare, isso parece coisa tirada de um melodrama do tempo da iluminação a gás. Aliás, o que é 'esse tipo de garota'? Só uma idéia. Você me beijar ou não tem a mínima importância. Eu poderia explicar, mas para que me preocupar? Você provavelmente acabaria achando que eu sou ninfomaníaca."

"Eu nem sei o que é isso."

"Diabos, é justo isso que quero dizer. Você é um homem, um homem de verdade, e eu estou tão cansada desses rapazes fracotes e afeminados como o Les. Eu só queria saber como seria, é isso."

Ele se inclinou sobre ela. "Você é uma garota engraçada", disse, e ela estava nos seus braços. Beijou-a, deslizou a mão pelo ombro dela e pressionou seu seio.

Ela se virou e o empurrou com violência, e ele se estatelou no tapete verde e frio.

Ela se levantou e ficou parada diante dele, e eles se encararam. "Seu sujo", ela disse. Depois deu um tapa no rosto perplexo dele.

(...)

Enzo Carlo Barrocco
Enviado por Enzo Carlo Barrocco em 11/06/2007
Reeditado em 14/06/2007
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