O SERTÃO VAI VIRAR MAR - Moacyr Scliar
O SERTÃO VAI VIRAR MAR –
(Moacyr Scliar)
Sertãozinho de Baixo era uma cidadezinha muito tranquila, e com poucos habitantes, sendo que tinha pessoas que não gostava desse nome, então políticos e empresários promoveram uma campanha para mudar o nome. A maioria dos votantes optou em deixar o nome tradicional. Sertãozinho de Baixo era um lugar muito bom de morar. O delegado, por exemplo, sempre gostou de lá, era muito respeitado, mas não temido. Era uma cidade agradável pacifica e antiga, tinha mais de 300 anos. Nos últimos anos, surgiram também fabricas uma delas de têxtil coroado, construções e também algumas mansões. Existia muita pobreza num lugar chamado buraco, uma enorme vila popular que tem mais de 30 anos, as casas eram muito humildes e as condições muito precárias.
Um dia, a diretora entrou na nossa sala, acompanhada de um garoto. Apresentou:
- Gente, este aqui é o novo colego de vocês, o José Gonçalves. Logo começou a ser chamado de Zé. Mas Zé tinha um problema: representava para nós um mistério. Para começar, era caladão. Nunca faltva as aulas, nunca chegava atrasado, nunca deixava de entregar um trabalho... Mostrava um conhecimento enorme; era inteligente e estudioso. No recreio ficava sozinho em um canto, comendo o lanche. Da vida dele, sabiam pouco. Descobriram que o Zé era da região de Sertãozinho de Cima. O pai e a mãe de Zé desapareceram e então ele foi morar com sua tia. Como Zé era isolado, Gui (um garoto da escola) achava que a solução desse problema era que ele fizesse amigos. Então no outro dia, Gui foi atrás dele e o convidou para almoçar em sua casa. Mas ele não aceitou. No fim da tarde, Gui e seus amigos se encontraram numa lanchonete e ficaram falando sobre o Zé. Depois foram a casa de Armando e continuaram a conversa.
Armando morava em uma casa muito simples, mas muito bonita. Havia um jardim bem em frente da casa. Armando entrou na sala de espera, onde nas quatro paredes, havia prateleiras com livros. Ele retirou um livro chamado “Os Sertões”, que tinha o mesmo nome da cidade vizinha, Sertãozinho de Baixo. Depois de ter lido um trecho do livro, Martinha falou que era muito complicado de entendê-lo.
O pai de Gui estava muito silencioso naquela noite, pois muitas pessoas estavam se mudando para o buraco de uma região da cidade do Sertãozinho de Baixo. Isso era um plano de Jesuíno Pregador. O que pretendia Jesuíno, ninguém sabia, só seus discípulos de Deus. Mas seu pai mudou de assunto e começou a falar do jogo que aconteceria essa noite, então ele convidou Gui para assisti-lo no estádio. No fim de semana Gui e seus amigos foram a uma represa, que era uma praia “artificial”. Quando ele voltou para casa, viu seu pai ainda pensativo. Uma nova reunião foi marcada. Então eles debateram sobre o que tinham lido através do livro. Então eles ficaram debatendo a história da vida de Antônio Conselheiro. Eles só param quando o pai de Gui chega. Depois que sua mãe chega, eles (Gui, seu pai e sua mãe) vão almoçar. Neste almoço é que seus pais descobrem onde o Zé mora.
Martinha achava que eles não deveriam falar sobre o que aconteceu na Guerra de Canudos, mas Gui discordava. Mas Zé votou na mesma ideia de Gui, que venceu. Então eles reiniciaram novamente o projeto, começando discutindo os fatores da guerra. Euclides disse que os soldados da guerra pensava que os povos iriam morrer a ferro e fogo, então começou a primeira frente de guerra. Mas não adiantou para os povos, pois eles voltaram para canudos e a tropa foi atrás. Todos em canudos ficaram desesperados depois da notícia dos soldados. Gui, Martinha e Zé ficaram debatendo sobre a história e algum mais, até Gui parar de lê. Como estava quase na hora do colégio, eles partiram, onde uma má notícia os esperava.
Naquela hor, já era para estar todos na sala, mas não, havia muita gente no pátio. Queco estava fazendo um discurso falando mal de Zé. Quando Gê ouviu aquilo, quis partir para cima de Queco, mas fora separado. Depois o supermercado foi saqueado. Gê ligou para sua mãe, e a nóticia "caiu na boca" de um jornalista que a espalhou. O pai de Gui foi investigar e disse que quem tiver de prender, irá prender.
O pai de Martinha estava muito tenso pois o prefeito queria que ele colocasse Jesuíno atrás das grades. Caso contrário, a polícia era quem iria investigar. Depois de tomar café e lavar a louça, Gui foi para a casa de Martinha, pois a reunião seria lá. O único que não tinha chegado era o Zé. Martinha ficou preocupada com ele, e logo depois Gui perguntou se era preocupação ou era paixão. Ela acabou mudando de assunto. Tempo depois Zé chega. Depois disse foram fazer o trabalho sobre o Antônio Conselheiro.
O pai de Gui conversou longamente com Jesuíno Pregador. Com a ajuda de Zé, eles convenceram o homem à aceita o tratamento psiquiátrico. Depois de cumprir pena pelo seu ato, foi posto em liberdade. O pessoal do Buraco ficou surpreso com o que havia acontecido. Alguns se mostravam revoltados, achando que tinham sido traídos por Jesuíno. Duas semanas depois do episódio do sequestro realizou-se a Semana de Cultura e nela o debate sobre Antônio Conselheiro. No palco haviam duas tribunas na mesa da diretora do colégio, professora Arlete, e o coordenador, Armando. E por fim veio à votação final. A pergunta era: “Se canudos acontecesse hoje, você seria a favor de uma intervenção armada”. Armando leu os resultados: 126 apoiaram e 584 não. Encerraram a Semana de Cultura com o baile de canudos.
ESTUDO SOBRE A OBRA
A narrativa tem início em uma cidade do sertão baiano chamada "Sertãozinho de Baixo". Ela ficaria, já que é fictícia, próxima à antiga vila de Canudos, local onde acontecera a Guerra de Canudos, há pouco mais de cem anos. Mas, os moradores de "Sertãozinho" não desejam relembrar tais eventos, pois traziam na memória as desgraças pelas quais passou a região e sua população. A cidade de Sertãozinho, embora ainda de tamanho modesto, já apresentava algumas comodidades que desenvolvimento econômico traz, lá havia algumas indústrias e um shopping, por exemplo. Elementos bastante diferentes do que a memória da Guerra e do que se imagina quando se ouve a palavra Sertão, que é dor, tristeza, fome e miséria. Como a intenção do livro "O Sertão vai virar mar" de Moacir Scliar é fazer uma leitura da obra de Euclides da Cunha, "Os Sertões" - que narra os fatos sobre a Guerra de Canudos - as histórias da Guerra e de "Sertãozinho", na narrativa, são cronologicamente paralelas. Na verdade, os eventos narrados na imaginária cidade de "Sertãozinho" são um meio didático de se interpretar as razões, os acontecimentos e as conseqüências da Guerra de Canudos. Em razão disso, entre outros aspectos, a história tem início em uma típica escola privada da classe média. Nela as personagens centrais Gui, que é o narrador, Martinha, Queco, Gê, Cíntia e Zé, colegas da escola, receberam a tarefa de fazer um debate sobre "Os Sertões". Esse debate fora motivado pela importância da obra, pelo fato de "Sertãozinho" estar próxima à antiga Canudos e, sobretudo, porque surgira na cidade um pregador chamado Jesuíno, que estava reunindo, principalmente a população pobre, a sua volta. É como se a história de Canudos de alguma forma retornasse. Esse retorno trazia enormes preocupações para todos de "Sertãozinho", já que o fim de Canudos fora trágico. O debate sobre "Os Sertões" seria feito através de um "júri simulado", que é uma técnica pedagógica que consiste em se escolher um tema que é debatido por alunos divididos em equipes. Os alunos apresentariam os pontos de vista sobre o tema. A intenção do "júri simulado" é fazer com que os alunos desenvolvam a sua capacidade de argumentação. No caso dos colegas de "Sertãozinho", a escolha da obra para o debate é a opção de por em questão a Guerra de Canudos. Como fatos semelhantes, que antecederam a Guerra, estavam acontecendo em "Sertãozinho", portanto, realizar o debate era entender o passado para compreender o que acontecia no presente. Desta forma, os alunos teriam que ler "Os Sertões" para poder preparar o debate. No momento, em que os colegas de escola estão reunidos para ler e discutir "Os Sertões", Moacir Scliar os utiliza para desenvolver as leituras sobre a obra de Euclides da Cunha. Apresentar os fatos históricos, as opiniões da época, as trágicas conseqüências da Guerra, as observações de Euclides da Cunha, ou seja, autor cria um presente que serve de paralelo e janela para compreensão do passado. Em meio às agitações que ocorriam em "Sertãozinho", promovidas pelo Jesuíno Pregador, no bairro pobre do Buraco, os colegas reúnem-se para produzir o seu trabalho escolar. Ora na casa de um, ora na casa de outro, os garotos esforçavam-se para ler e compreender tanto a difícil linguagem de Euclides da Cunha quanto as razões pelas quais aquele evento tivera um destino tão drástico. Nesses momentos, Moacir, inclusive, faz citações literais de "Os Sertões". Em razão das dificuldades oferecidas pela leitura o grupo, a princípio, não avança muito. Contudo, a entrada no grupo de um aluno recém chegado à escola, de outra cidade, Zé, muda essa situação. É um garoto recluso, fechado, que, por isso, provoca a curiosidade dos colegas. Gui descobre através do professor que organizava o debate, Armando, que Zé é um garoto pobre que mora no Buraco. Estuda no colégio de classe média graças a uma bolsa, que conseguira em virtude de seu esforço e boas notas. Zé é um entusiasta da obra de Euclides da Cunha e se insere no grupo dando-lhe o dinamismo de que ele precisava.
A situação se agrava em "Sertãozinho", pois Jesuíno, cada vez mais, atrai pessoas para o bairro do Buraco. O local cresce diariamente com pessoas vindas até de outros municípios. Os representantes do poder de "Sertãozinho" vêem com muita preocupação e desconfiança tudo aquilo. Toda aquela gente seguindo, quase que cegamente, um homem que consideram santo. Um conflito de nefastas conseqüências se armava, semelhante ao que havia acontecido no tempo de Antônio Conselheiro. Canudos era no seu auge, ao final do século XIX, a segunda maior cidade da Bahia, ficando atrás apenas da capital, Salvador. Para lá seguiram toda sorte de desesperançados acompanhando Antônio Conselheiro, homem que havia vagado pelos sertões do Nordeste construindo igrejas, reformando muros de cemitério, organizando novenas e, sobretudo, pregando. Após um saque a algumas lojas do comércio de "Sertãozinho", os empresários locais exigem medidas das autoridades. O mais pressionado a tomar uma atitude é o Delegado, pai de Gui. Narrado como homem sério e sereno, tenta evitar a tomada de medidas muito duras, que não resolveriam o problema, mas o tornaria pior. Porém, percebe que é preciso adotar alguma medida, antes que a situação fuja ao controle. De forma diferente acontecera em Canudos. Os donos de terra da Bahia e de estados vizinhos exigiram do recém implementado Governo Republicano medidas para desmobilizar aquela população. A permanência daqueles sertanejos em Canudos esvaziara a mão-de-obra da região. Naquele tempo os latifundiários, em virtude de sua incapacidade de resolver a questão pediram providências ao Governo Republicano, sediado no Rio de Janeiro. As leituras de "Os Sertões", com a ajuda Zé, iam bem até que ele desaparece depois de ver uma reportagem sobre uma grande passeata organizada pelo Jesuíno Pregador. Gui descobre que a consternação de Zé era mais profunda. Não se resumia ao fato de Zé ser do Buraco, centro das pregações de Jesuíno. Zé era filho de Jesuíno e este havia ido para "Sertãozinho" a procura do filho. A razão de Jesuíno tornar-se um beato foi após um colapso nervoso em conseqüência da perda de sua pequena propriedade, desapropriada para a construção de uma represa. O outro beato, Antônio Conselheiro, também, havia tido graves problemas pessoais, uma disputa com uma família rival a sua e um casamento infeliz, que terminou de forma vergonhosa para ele, com a fuga da esposa com um soldado de polícia. Gui e alguns amigos chegam a ir ao Buraco, na tentativa de encontrar Zé. A situação na cidade estava muito tensa. Esperava-se, a qualquer momento, o estouro de uma revolta. Enquanto isso, as opiniões se dividiam. Para alguns, que no texto é representado pelo colega de Gui, Gê, um rapaz engajado politicamente, toda aquela situação nada mais era do que o resultado da falta de assistência a uma população sem recursos. Oposto ao que pensa, o também colega de Gui, Queco, que tem uma visão preconceituosa, pois afirmava que são vagabundos e lunáticos, que acreditam em um demente. De certa maneira o mesmo acontecera a Canudos, momento histórico mal compreendido em sua época. De um lado estavam os latifundiários, temerosos pela falta de mão-de-obra, de outro o Governo Republicano, sediado no Rio de Janeiro, fortemente controlado pelo Exército. Entre outros motivos, as atitudes do Conselheiro de rasgar proclames de impostos republicanos e de condenar o casamento civil, fizeram com que a República interpretasse Canudos como sendo um foco Monarquista. A ação ponderada do Delegado evitou o pior, embora quase tenha perdido o controle da situação. Zé se reconciliou com o pai que foi enviado para tratamento. O debate foi um tremendo sucesso, chegando à conclusão de que a tragédia de Canudos poderia ter sido evitada ou, pelo menos, ter tido menores proporções, se houvesse discussões sobre o problema. Mas o medo da população quanto ao que acontecia na região e, principalmente, o temor dos poderosos - sobretudo o Exército da República - fez com que Canudos tivesse um fim extremamente violento. Moacir Scliar, desta forma, conclui seu texto, com uma espécie de lição. Os excessos devem ser evitados para se prevenir mal-entendidos e até mesmo tragédias.
Os personagens são:
Gui (Guilherme Galvão) - É o narrador. Filho do delegado Jorge e da enfermeira chefe do hospital, é um garoto alto e calmo. Quando adulto se formou em medicina.
Martinha - Queria ser jornalista, ela é uma menina muito inquieta, curiosa, que gosta de saber das coisas e pergunta tudo. É amiga da Gui, do Gê e do Queco.
Queco - É o filho do dono do shopping, gordinho, rico, vestia-se bem e era bom de conversa. Se candidatou para o grêmio estudantil, mas perdeu para Gê. Queco é irônico e agressivo
Gê (Geraldo Camargo) - é presidente do grêmio estudantil. Um garoto inquieto e meio irritado, mas um bom líder. Começou a facudade de direito mas largou para se tornar vereador, o mais novo de Sertãozinho de Baixo.
Zé (Jozé Gonçalves) -Vivia isolado, meio triste, mas muito inteligente. Mais tarde descobre-se que ele era filho de Jesuíno Pregador. Gosta de Martinha.
Jesuíno-Apareceu repentinamente na cidade pregando profecias apocalípticas e a união do povo, com o tempo ganhou muitos seguidores. Se abrigou na Vila Buraco, lugar considerado pobre da cidade de Sertãozinho de Baixo.
Jorge Galvão (Delegado Jorge) - Pai de Gui, um homem muito admirado e respeitado pelos moradores de Sertãozinho de Baixo.
Armando - Professor de história do colégio Horizonte. Animado, inteligente e criativo, apresenta um programa de rádio chamado "A história hoje".
Fernando Nogueira - Pai de Queco, é dono do shopping da cidade. Por ter patrocinado a capanha do prefeito da cidade exercia sobre ele um grande poder.
Fernando de Assis - Prefeito de Sertãozinho de Baixo, é um homem de muitas ambições que tinha a proposta de mudar o nome da cidade para Novo Sertão.