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 A SUAVIDADE DO VENTO
POR: CRISTÓVÃO TEZZA
Terceira edição, revista pelo autor; primeira edição: Editora Record, 1991
Formato: e-book produzido por Tovo textos
Disponível para download na amazon.com.br
 
 
Observação: as passagens em itálico sao trechos selecionados do livro.

Um professor de uma cidadezinha feia, pequena e sem esperanças. Ele não tem ambições ou desejos. Não cultiva grandes sonhos, a não ser um: escrever e publicar um livro. Pode parecer simples, mas não é. A vida de Josilei Maria Matôzo é tediosa, pacata e totalmente sem graça; resume-se a dar suas aulas no período da manhã, de maneira indiferente, e depois voltar para sua casinha alugada e suja, onde bebe até dormir. À noite, ele vai encontrar seus amigos no Snooker Bar.

Assim é sua vida, até que ele finalmente termina seu livro.

Apesar de não ter nascido naquela cidade, Josilei é aceito e tratado como se fosse um dos moradores. Aceitam-no, pois ele vive a mesma vidinha medíocre que todos vivem, veste as mesmas roupas rotas que todos, é um deles, e parece estar satisfeito assim. Ninguém sabe que, na solidão da sua casinha, ele sonha com a fama, os aplausos, as reportagens e entrevistas que daria quando descobrissem que ele era um gênio. Sua solidão finalmente teria um fim, e ele deixaria aquela cidade maldita e medíocre para sempre.

Terminou seu livro, “A Suavidade do Vento”, e decidiu-se pelo pseudônimo de J. Mattoso: “Ele era a suavidade do vento. Permanecer oculto, sussurrante. A minha força está neles – é entre eles que eu passo, suavemente, com a grandeza tranquila da minha voz interior. Não o confronto: a suavidade.”
Alertou Gordo, seu melhor amigo:
 
-Vou embora daqui. – Quase disse Pasárgada, mas mordeu a língua a tempo.
O Gordo irritou-se, enchendo outro copo:
-Para onde? Você não tem onde cair morto!
A boca contorcida, a dor, o pescoço inchado:
-Para Curitiba, São Paulo, sei lá.
Agora a gargalhada:
-Mas é um idiota! Tem que se foder mesmo! –Um argumento verdadeiro, cristalino, cabeça à frente, dedos convincentes em ramalhete, o óbvio mais absoluto: - Você não vê que o futuro está aqui? Isso vai crescer, carradas de dinheiro! Compra um terreno aqui, outro ali, revende adiante...
O nervo súbito repuxou a cabeça para a esquerda.
-E sem falar que a vida em cidade pequena é muito melhor, mais tranquila, todo mundo é amigo, se ajuda, aqui você é alguém! Vai! Vai lá pra São Paulo e vê se aguenta dois dias. Vai lá!
 
Porque todo mundo, até mesmo nossos melhores amigos, querem que a nossas vidas sejam como sempre foram, pois se melhorarmos, seremos um exemplo vivo de que suas vidas são medíocres:

“Não queira ser outra coisa, você já é o bastante para uma vida inteira.”

Mas o professor consegue publicar seu livro. Seu sonho finalmente está em suas mãos. Em uma edição feia, acanhada e mal-acabada, sua obra prima, sua vida, seus anseios. Finalmente, Josilei Maria Matôzo transformar-se-ia em J Mattoso!

A quem mais daria o livro? Recorreu ao método científico.
a) Gordo. O que ele faria com A Suavidade do Vento? Não importa. Ele iria gostar, mesmo sem ler.
b) Galo. Nem pensar.
c) Diretor do colégio. Política da boa vizinhança. “Ao companheiro de ensino...” desistiu.
................................
-Estêvão!
Ele parou, vendo aquele ser arrastar a perna em sua direção. Olhou Matozo a sua frente e não disse nada, uma estranheza esquiva no rosto. Um homem ostensivamente com pressa.
-Dá uma olhada.
Tirou o livro do envelope e estendeu-o ao amigo. Estêvão franziu a testa, como quem não entende.
-Mattoso? É teu parente?
-É... não... eu...

-Você transa esoterismo agora? – raspou as páginas pelo dedão (zap!) e voltou a olhar a capa. –Eu não sabia que você tinha essa inclinação. – Um olhar intrigado.
“Fui eu quem escrevi” – mas paralisado, não teve voz nem tempo; Estêvão conferiu o relógio e devolveu o livro, já se afastando.
-Estou com pressa, Matôzo. Depois eu dou uma olhada.
E sumiu.
 
E aquela seria a reação de todos os seus amigos: estranheza e indiferença. Não era mais reconhecido ou aceito como um deles, e passou a ser ostensivamente rejeitado por todos na cidade. Passa a sofrer agressões e ser vítima de maledicência. 

Chega o momento de tomar uma decisão importante e definitiva: assumiria sua nova identidade de escritor, suportando o ostracismo dos amigos e sua rejeição e inveja ou voltaria a viver no lugarzinho que reservaram para ele? Tentaria o voo alto em direção ao desconhecido ou ficaria pousado no poleiro onde sempre estivera, ocupando o espaço  seguro que lhe determinaram?

Acredito que muitos que publicaram um livro viveram o mesmo impasse encontrado em A Suavidade do Vento. E mesmo que através do livro, o autor não tenha se tornado rico ou famoso, este serviu como um marco na vida de quem o escreveu, e a partir daquele momento, muitas percepções enganosas mudaram, transformando-se em decepções.

Considero A Suavidade do Vento, além de um excelente livro, um espelho. Principalmente para quem ousou dar um passo adiante e sair do contexto de vida que sempre teve, desafiando as convenções e classificações impostas por aqueles que se dizem nossos amigos e familiares, contanto que façamos sempre o que eles querem e nos comportemos de acordo com o que eles acham que seja o acertado para nós.

Talvez, no momento em que precisa de apoio, incentivo e compreensão, aquele que se aventura para fora da caixa encontre apenas indiferença, inveja e solidão. Se ele será forte o suficiente para manter-se firme em seus propósitos, respeitando e celebrando o nascimento daquela pessoa desconhecida até para si mesmo, ou se ele voltará à segurança  do berço e do caminho percorrido, é uma escolha difícil.


Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 23/02/2015
Reeditado em 23/02/2015
Código do texto: T5147240
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