Resenha crítica de Carta a uma Nação Cristã
A obra de Sam Harris foi publicada pela Companhia das Letras no ano de 2006. O autor escreveu a “carta” em resposta às diversas críticas que havia recebido por seu livro anterior “O fim da Fé”.
Considerei a leitura um desafio às minhas convicções religiosas. Sou de família cristã, fui à igreja por muitos anos,mas não pratico a religião. O livro me fez rever alguns pontos religiosos e culturais por outro prisma. Não diminuiu minha fé, também não a aumentou.
Harris escreveu o livro em forma de carta a “nação cristã” Estados Unidos, mais especificamente aos membros do partido conservador chamado "Direita Cristã". Respondendo ao recurso de utilizarem a Bíblia para solucionar todas as questões de moralidade.
Primeiramente ele chama a atenção para alguns itens do Antigo Testamento citando os livros, capítulos e versículos da Bíblia (morte por adultério, homossexualidade, desobediência aos pais etc.), e contrapõe este com a total não violência do Jainismo. Nesse momento o autor cita Êxodo, Levítico, Efésios, Deuteronômio, Marcos e Mateus, com os devidos livros e capítulos de cada um, citando os versículos pertinentes à sua colocação.
“Veja, por exemplo, o Jainismo. Essa religião prega a doutrina da absoluta não violência. É verdade que os jainistas acreditam em muitas coisas improváveis acerca do universo; mas não do tipo de coisas que acenderam as fogueiras da Inquisição...” (p.27)
Harris afirma o dogma religioso pode criar uma falsa moralidade, distante da realidade, do sofrimento humano.
“... Qualquer pessoa que acredite que a Bíblia oferece a melhor orientação possível em assuntos de moralidade tem ideias muito estranhas _ ou sobre orientação, ou sobre moralidade...” (p.29).
Harris também enfrenta o problema do mal - a dificuldade em acreditar num bom Deus que permite catástrofes como o Furacão Katrina.
“... Já é hora de reconhecermos que é uma verdadeira desgraça que os sobreviventes de uma catástrofe acreditem que foram poupados por um Deus amoroso, enquanto esse mesmo Deus afogava bebês em seus berços...” (p.58).
Então, Harris amplia o seu argumento para considerar a diversidade de religiões no mundo e os seus antagonismos mútuos, chamando a atenção para o fato de que na base de muitos conflitos entre comunidades e etnias estão diferenças religiosas.
“... A religião agrava e exacerba os conflitos humanos muito mais do que o tribalismo, o racismo ou a política jamais poderiam fazer. É uma das formas de pensamento que dividem as pessoas, os de dentro e os de fora do grupo; mas é a única que coloca essa diferença em termos de recompensa eterna, ou punição eterna...” (p.77)
Harris expõe que o progresso através da tolerância religiosa, o respeito mútuo, bem como o diálogo entre as religiões, só torna mais difícil criticar extremismos baseados em fé.
“Parece profundamente improvável que consigamos curar as divisões do nosso mundo através do diálogo inter-religioso. Os muçulmanos estão convencidos - tanto quanto você - de que a religião deles é perfeita e que qualquer desvio leva diretamente ao inferno...” (pp. 81,82).
Embora admitindo que as experiências espirituais possam ser valiosas e uma afirmação da vida, ele se diz preocupado por estas serem ligadas as crenças religiosas:
“... Não há dúvida de que as pessoas podem passar por experiências profundamente transformadoras. E não há dúvidas de que elas podem interpretar erradamente essas experiências e iludir-se mais ainda acerca da natureza da realidade...” (p.84).
Também admite que a religião possa ter tido algum propósito útil para a humanidade no passado, mas afirma que ela é hoje o maior obstáculo para a continuação do desenvolvimento humano.
“... O fato de que a religião pode nos ter servido para alguma função necessária no passado, não exclui a possibilidade de que hoje ela seja o maior impedimento para a construção de uma civilização global...” (p.85).
Apesar de ter crescido no meio cristão, concordo totalmente com Harris. Não estou afirmando que não acredito em Deus, ou que a leitura da obra me tornou ateia, até porque não é possível tornar-se ateu de um dia para o outro, mas digo sim que, a religião é o atraso da civilização, essa é a minha visão e ninguém é obrigado a concordar com isso. Talvez sendo repetitiva , uso a famosa frase marxista de 1844 para encerrar este texto: “ A religião é o ópio do povo.”
Isabel Cristina Oller
Professora de Língua Portuguesa e Literatura