"Tête-à-Tête - Sartre, Simone e O Pacto."
A escritora americana Hazle Rowley, existencialista e admiradora de Simone de Beauvoir, revela a pouco ortodoxa vida amorosa do casal Sartre e Simone de Beauvoir, em seu livro Tête-à-Tête.
"A partir de agora, eu tomo conta de você", disse Jean-Paul para Simone, quando se encontraram na juventude, em 1929, na Escola Normal em Paris. Começava então uma história de amor nada convencional, que perdurou até a morte de Sartre em 1980.
O homem fisicamente insignificante uniu-se à jovem elegante e atraente. Fundaram um pacto baseado na independência e na honestidade total entre os dois.
Seriam livres para se relacionarem com outras pessoas, mas não esconderiam nada um ao outro.
Inaugurando uma nova maneira de amar, construiriam um escudo para protegerem o laço entre eles, firmando uma cumplicidade inegável onde não haveria traição, pois tudo seria compartilhado.
Acredito que parecesse, aos dois, ser aquela a maneira ideal de amar sem sofrer. Seriam leais, parceiros, amigos e amantes. Ele a chamava ternamente de Castor; ela o idolatrava.
Na leitura de Tête-à-Tête, percebo que, se a parceria vingou ao longo do tempo e refletiu na obra do casal existencialista, também fugiu à moral e à ética quanto aos demais envolvidos, além de ter sido absolutamente frustrante quanto a evitar a dor.
Simone de Beauvoir, uma mulher brilhante, permitiu-se ver a vida através dos olhos do amante. Submeteu-se ao estilo de vida do "gênio sem superego" e sem muita preocupação com os sentimentos alheios.
Sartre aparece na intimidade como um sujeito de baixa auto-estima, que usava a conquista de mulheres atraentes para superar seus parcos atrativos físicos. Simone era sua isca para atraí-las: uma ousadia para época, um escândalo ainda hoje.
O ciúme, sentimento desprezado pelo filósofo, não estava ausente da rede de relacionamentos criada pelos dois parceiros. A mentira também não. A dor e o remorso eram freqüentes.
A biógrafa relata a freqüente ansiedade, as angústias e as crises de prantos de Beauvoir. A escritora sofria por amor, ou "por amores". A incompletude da relação com Jean-Paul levava-a a outros braços, que tampouco satisfaziam seus anseios, pois ela não se dava por inteiro a outra pessoa.
A autora do Segundo Sexo reprimia seus sentimentos, considerados menores por Sartre, mesmo que as confissões deste em relação às outras mulheres a deixassem insegura e a arrasasse emocionalmente.
Talvez o pacto firmado na juventude tenha possibilitado a permanência daquela relação livre das amarras burguesas. Não havia casamento, não havia filhos, sequer viveram juntos.
Contudo, o relacionamento reproduzia o modelo burguês quanto à superioridade masculina no relacionamento. Sartre agia; Simone reagia. Ela se dedicava totalmente a ele. Ele se dividia entre várias, mesmo tendo-a como a preferida.
Sem julgamento moral, constatei com pesar a insatisfação afetiva crônica de Simone de Beauvoir, assim como lastimei uma certa pequenez no caráter de Sartre, apesar de seus atos de generosidade e coragem cívica.
Ao mesmo tempo, reflito sobre a condição humana que iguala os gênios às pessoas comuns a despeito de todo os esforços para os distinguirem.
A dor vivida por Simone é a mesma dor vivenciada por todas as mulheres não amadas por seus homens, como gostariam de ser. O sofrimento interior de Jean-Paul é tal qual ao do homem médio que se sente infeliz intimamente. Em essência somos todos iguais, existencialistas ou não.