O outro lado da loucura

Entre as muitas obras escritas sobre o universo da doença mental, poucas têm a contundência de Garota Interrompida, relato autobiográfico de Susanna Kaynes que narra, sem nenhuma sutileza ou tentativa de mascarar a realidade, a época em que foi internada em um hospital psiquiátrico onde viveria dois anos.

Numa linguagem direta, Susanna fala de como se deu sua internação, como os doentes mentais sentem o mundo que os cerca, a rotina do hospital e seu relacionamento com outras pacientes, enfermeiros e médicos. E, sem nos darmos conta, mergulhamos num cotidiano repetitivo, onde as pacientes, separadas do mundo exterior, têm suas vidas interrompidas e, enquanto não forem consideradas aptas a viver no mundo normal, são obrigadas a seguir uma rotina marcada por remédios pesados, encontros com terapeutas e a vigilância das enfermeiras.

A história se passa em 1967, época em que muito pouco se sabia sobre a saúde mental e os que eram internados em instituições psiquiátricas sofriam mais preconceito do que atualmente e não é narrada de forma linear, visto que Susanna, em alguns momentos, interrompe o fluxo do tempo para falar sobre o encontro com o médico que a mandou ao hospital, a tentativa de suicídio que motivou sua internação, as histórias das outras pacientes e como era sua vida antes de receber seu diagnóstico.

Paulatinamente, vamos nos conscientizando da sensibilidade particularíssima dos que possuem distúrbios psiquiátricos, da fragilidade entre a sanidade e a loucura e de como o hospital acaba se tornando um microcosmo (pequeno universo), para os doentes, representando, ao mesmo tempo, uma prisão onde são confinados e um lar que os acolhe e protege de uma sociedade incapaz de compreendê-los, aceitá-los e auxiliá-los e até deles mesmos e dos delírios provenientes de seus distúrbios.

A parte mais tortuosa da narrativa brutal e comovente contada por Susanna é a em que ela fala da readaptação do mundo exterior. Como voltar a ser responsável por si mesmo e reencontrar seu lugar no mundo após ter passado algum tempo confinado, eximido de qualquer responsabilidade?

Ao final da leitura, concluímos que, mesmo após voltar ao convívio social, os que foram diagnosticados com doenças mentais nunca estarão totalmente seguros acerca do seu equilíbrio interno e sempre terão medo de enlouquecer novamente.