O enigma da maldade
Como explicar a maldade nas pessoas? Por que alguns são dominados pela perversidade enquanto a maior parte dos homens e mulheres deste mundo vive a lutar contra suas más tendências? Será a maldade hereditária, como um gene ruim? E, se for, poderemos responsabilizar alguém por seus atos? Estes são os questionamentos lançados pelo livro The Bad Seed, escrito em 1954 pelo americano William March.
O título do romance, traduzido para o português, significa: "má semente", "semente má" ou "semente do mal" e, à medida em que o lemos, vamos vendo que não poderia haver um título mais apropriado para uma história que nos prende do começo ao fim, envolvendo-nos em uma teia de segredos obscuros, suspense e sordidez.
Os personagens principais são Christine Penmark, esposa de um tenente da Marinha que vive viajando a trabalho e sua filha única de oito anos, Rhoda. Aparentemente, Rhoda é uma menina perfeita: bonita, inteligente, arruma o próprio quarto, veste-se de forma impecável, sabe cativar as pessoas usando seu charme e tem uma independência extraordinária para sua idade, o que a faz ser muito admirada por pessoas mais velhas, como a sra Monica Breedlove e seu irmão, Emory. Porém, nem todos se sentem inteiramente confortáveis com a personalidade singular de Rhoda. A própria mãe, Christine, percebe na filha características que a intrigam e Leroy, jardineiro do subúrbio, pressente que a menina não é como as outras crianças, visto que ela tem atitudes que nada tem de inocentes.
A história começa quando Rhoda vai a um piquenique na escola que frequenta junto com outras crianças. A menina está mal-humorada porque outro colega, Claude Daigle, ganhou uma medalha numa competição e ela julga que ela é que devia ganhá-la. Ela embarca em um ônibus com as crianças com destino à praia, sempre de olho na medalha.
Horas mais tarde, Christine ouve pelo rádio que uma das crianças se afogou e que a vítima era o menino, Claude. Quando Rhoda volta para casa, está estranhamente calma, como se não houvesse acontecido nada grave e Christine vê que o trágico acontecimento não a abalou.
Depois, alguns fatos vão perturbando Christine: o sumiço da medalha, o fato de Rhoda e ela não serem chamadas para contribuir na compra de flores para o funeral e a decisão das donas da escola de não manter sua filha.
Ao interrogar as donas da escola sobre o porquê de não quererem mais sua filha, Christine é informada de algo aterrador: no dia da tragédia, sua filha fora vista perseguindo o menino morto, querendo tomar a medalha à força e todos esses fatos a fazem lembrar de estranhos acontecimentos do passado: a expulsão de Rhoda de outra escola por mentir e roubar, a inexplicável morte de uma senhora idosa com quem Rhoda passava as tardes e a morte de um cão que o pai havia dado à filha.
Christine, que sempre desconfiou do comportamento da filha, por perceber que ela é uma mentirosa contumaz, fria e egoísta, começa a se angustiar diante da suspeita de que Rhoda esteja envolvida na morte do menino.
Ao mesmo tempo em que Christine se atormenta com suas dúvidas, Leroy começa a assediar Rhoda, dando a entender que sabe que ela é culpada pela morte do menino. Ela finge não se incomodar, mas ele percebe que a perturba, o que o satisfaz.
A angústia e as suspeitas de Christine se intensificam ao descobrir a medalha sumida entre os pertences da filha, que lhe dá desculpas evasivas para explicar o acontecimento.
A princípio, Christine acredita mas, uma noite, ao ver que a filha está saindo furtivamente com um pacote, força-a a revelar o que há nele, descobrindo que ela leva seus sapatos. Então, obriga-a a explicar o que está havendo. Encurralada, Rhoda confessa que matou Claude batendo com os sapatos em sua cabeça e quer destruir os sapatos para que ninguém descubra.
Diante da horrível descoberta, Christine mergulha no desespero e se pergunta o porquê de Rhoda ser como é. A filha seria o resultado de uma criação errada? Buscando respostas, Christine começa a estudar personalidades criminosas e, paulatinamente, vai tomando conhecimento de aspectos relativos não apenas a personalidades homicidas, mas também a segredos do seu próprio passado, os quais podem ter relação direta com a natureza anormal de Rhoda.
Rhoda, com sua falta de remorso ou empatia com outros seres humanos, naturalidade em mentir e frieza em matar, enquadra-se perfeitamente no perfil de uma psicopata e o fato do autor mostrar uma criança capaz de tantas monstruosidades se revela uma atitude de coragem por bater de frente com a nossa usual concepção de que crianças são seres puros e angelicais, abrindo caminho para uma questão: será que alguns já nascem maus? E, se nascem maus, quando a sua maldade começa a se manifestar?