RESENHA MARÍLIA DE DIRCEU

Esta resenha faz referência á obra Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, 2ª edição 2010, Editora Martim Claret Ltda.

O autor da obra “Marília de Dirceu”, Tomás Antônio Gonzaga, nasceu em Porto (Portugal) em 1744 e veio com sua família para a Bahia ainda pequeno. Formado na universidade de Coimbra, exerceu em Vila Rica - MG, o cargo de ouvidor. Preso como inconfidente, foi deportado para Moçambique, onde reconstituiu a vida. Lá faleceu em 1810. A obra foi escrita durante o período em que o autor estava encarcerado, e segue as normas da escola literária da época: o Arcadismo. A estrutura dos versos varia um pouco. São estruturados em quatro sílabas, de redondilha menor e de dez sílabas ou decassílabos, de redondilha maior, A intenção era de passar ao leitor a simplicidade, também característica marcante do Arcadismo.

O foco da narrativa é a 1ª pessoa. O autor é onipresente. Apesar de utilizar vocativos para chamar Marília, não se trata de um diálogo, portanto, é um monólogo, e o discurso é direto, pois o emissor é o narrador. Suas liras expressam a paixão que o poeta sentia pela jovem Maria Dorotéia, moça de 16 anos, com quem chegou a ficar noivo, apesar de ser bem mais velho.

Existem três fatores básicos que contribuíram para a individualidade poética de Gonzaga: o romance com a menina Maria Dorotéia; a prisão injusta e brutal, como inconfidente; e a magia da natureza e do clima tropical.

A obra se divide em duas partes (há uma terceira, cuja autenticidade é contestada por alguns críticos).

A primeira parte (1792) é Composta por 33 liras, estão os poemas escritos na época anterior à prisão do autor. Nela predominam as composições convencionais, as características arcádicas, tendo como tema a liberdade. O pastor Dirceu (eu lírico), então noivo da pastora Marília, exalta suas qualidades, a saber: beleza, inteligência e riqueza. Também exalta a beleza física de sua amada, ora loira, ora morena. O ambiente campestre serve de cenário para a obra. Como poemas árcades nota-se a presença do bucolismo, do pastoralismo, a simplicidade formal, o apego aos valores da cultura Greco-romana, além dos temas carpe diem, o lócus amoenus e o fugereurbem que compõem as liras.

Lira I

¨Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,

Que viva de guardar alheio gado;

De tosco trato, d’expressões grosseiro,

Dos frios gelos, e dos sóis queimado.

Tenho próprio casal, e nele assisto;

Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

Das brancas ovelhinhas tiro o leite,

E mais as finas lãs, de que me visto.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

[...]

Mas tendo tantos dotes da ventura,

Só apreço lhe dou, gentil Pastora,

Depois que o teu afeto me segura,

Que queres do que tenho ser senhora.

É bom, minha Marília, é bom ser dono

De um rebanho, que cubra monte, e prado;

Porém, gentil Pastora, o teu agrado

Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!¨

O poeta, dirigindo-se à Marília, se apresenta exaltando qualidades que o fariam digno do amor da donzela: sua condição social, seu aspecto físico e suas habilidades. Isso é feito em um cenário típico do Arcadismo: a atmosfera bucólica, o ideal de vida simples, pastoril.

Na segunda parte(1799) composta por 38 liras, estão os relatos da prisão em decorrência da acusação de ser um dos inconfidentes. Nesta parte, o eu lírico é tomado por pessimismo, melancolia e saudade de sua amada. Toda a objetividade característica do arcadismo dá lugar ao subjetismo, revelando um poeta amargurado e triste, fato que antecipa o Romantismo no Brasil. Por esse motivo, é classificado como um pré-romântico. O cenário é a masmorra, fria, fétida e úmida, longe do bucolismo que caracteriza o arcadismo.

Lira I ( parte II)

Já não cinjo de louro a minha testa;

Nem sonoras canções o Deus me inspira:

Ah! que nem me resta

Uma já quebrada,

Mal sonora Lira!

[...]

Mal meus olhos te riam, ah! nessa hora

Teu retrato fizeram, e tão forte,

Que entendo, que agora

Só pode apagá-lo

O pulso da Morte.

Aqui encontramos Dirceu enclausurado, deprimido, sem inspiração. Permanece, porém a lembrança de Marília, que só se apagará com a morte.

Terceira parte (1812), é uma coletânea de textos, envolve 8 liras que não figuraram nas partes anteriores da obra, e textos que teriam sido escritos antes do envolvimento amoroso com Maria Dorotéia (1 canção, 15 sonetos e 1 ode).

Como já constatamos, trata-se de uma publicação confusa, irregular e, portanto, de menor valor. Ressalvamos, porém, a antológica lira 3, onde o poeta rompe com a condição ideal de pastor, assumindo sua verdadeira condição social e imaginando a vida conjugal com Marília.

Tu não verás, Marília, cem cativos

Tirarem o cascalho, e a rica, terra,

Ou dos cercos dos rios caudalosos,

Ou da minada serra.

Não verás separar ao hábil negro

Do pesado esmeril a grossa areia,

E já brilharem os granetes de ouro

No fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos;

Queimar as capoeiras ainda novas;

Servir de adubo à terra a fértil cinza;

Lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotes

Das secas folhas do cheiroso fumo;

Nem espremer entre as dentadas rodas

Da doce cana o sumo.

Verás em cima da espaçosa mesa

Altos volumes de enredados feitos;

Ver-me-ás folhear os grande livros,

E decidir os pleitos.

Enquanto revolver os meus consultos.

Tu me farás gostosa companhia,

Lendo os fatos da sábia mestra história,

E os cantos da poesia.

Lerás em alta voz a imagem bela,

Eu vendo que lhe dás o justo apreço,

Gostoso tornarei a ler de novo

O cansado processo.

Marília de Dirceu como todos os clássicos da literatura tem grande importância, pois se trata da mais popular lírica amorosa da literatura de língua portuguesa, servindo de meio de informação de cultura, estilos de épocas e escolas literárias.

Tomás Antônio Gonzaga faz uso do lirismo maestrosamente e galante, tanto no aspecto estético como no sentimentalismo da narrativa amorosa. Abordando uma das mais belas declarações de amor explicita, feitas com características do arcadismo, mas que ultrapassaram seu tempo no que se refere ao aspecto estético da obra e ao sentimentalismo do Eu-lírico.

Manoel Bandeira analisando a obra-prima registra que ¨nenhum poema, a não ser Os Lusíadas tem tido tão numerosas edições¨ isso mostra o quão essa obra é importante para a literatura , e assim enriquecendo nosso conhecimento literário.

Referência bibliográfica:

GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.

Resenhado por FRANCISCO BEZERRA DOS SANTOS, acadêmico do curso de letras da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)