Quem me Roubou de Mim?
Pe. Fábio de Melo – Kindle edition, Amazon.com.br
Ano: 2013
Basta um minuto para nos apaixonarmos; um minuto que pode trazer luz a todos os nossos significados, ou que pode tornar-se o maior engano de nossas vidas. Ou então permitimos que nossos melhores amigos, sempre bem intencionados, tomem posse do nosso ser, e deixamos de ser quem somos para sermos quem eles esperam que sejamos. Ou vestimo-nos dos trajes que nossos familiares confeccionaram para nós, mesmo que estejam apertados e nada tenham a ver com o nosso estilo.
Destas relações vampirescas, onde o sangue sugado é voluntariamente doado muitas vezes sem que a vítima perceba, fala o livro “Quem me Roubou de Mim?”, de Fábio de Melo.
Ao lê-lo, impossível não fazer uma lista mental (curta ou longa) de pessoas que conhecemos e encontram-se em relacionamentos assim, onde um domina e o outro é dominado, como em um sequestro no qual a vítima acaba se convencendo da necessidade de dar-se bem com seu sequestrador a fim de continuar vivendo e acaba apaixonando-se por ele, pois passa a não se reconhecer sem o domínio do outro: a famosa Síndrome de Estocolmo. E esta forma de domínio, segundo Fábio de Melo, pode ser muito sutil; ela pode vir de pequenas chantagens emocionais que provocam culpa e submissão à vontade do chantageador.
Há pessoas que não sabem nascer através de si mesmas, e por este motivo ocupam um lugar dentro das outras pessoas, que passam a gestá-las, como no filme Alien, o Oitavo Passageiro. Posição extremamente cômoda, a de dominador, a de quem se põe a sonhar contando com o outro para realizar seus sonhos e satisfazer suas vontades... mas para quem é sugado e dominado sem perceber, há o risco de que tal situação só seja percebida depois de muitos anos e de muita vida perdida (ou roubada). Relacionamentos assim nascem entre pessoas dominadoras que encontram um útero vazio em pessoas inseguras ou com baixa autoestima. Passam a explorá-las; sequestram-nas delas mesmas. Os envolvidos nem percebem o quanto este tipo de relação castra não somente o dominado, mas também aquele que toma a posição de dominador; pois este não constrói uma vida para si, apenas sobrevive feito um parasita, alimentando-se do outro.
O caminho de volta a si mesmo pode ser difícil e doloroso, e requer muita coragem e bom- senso. É preciso, em primeiro lugar – segundo Fábio de Melo – que o dominado perceba-se como tal, e tenha coragem de tirar seus óculos cor de rosa, enxergando seu algoz como ele realmente é.
Alguns trechos do livro:
“Permitimos, ainda que inconscientes, que a amizade virtual nos retire da necessidade de construir artesanato afetivo com os que nos cercam. E então, o prejuízo.As horas que poderíamos aproveitar com uma boa leitura, um bom filme ou uma boa conversa, desperdiçamos na manutenção de um perfil virtual onde prevalecem as falas superficiais, as contendas, as disputas pela notoriedade(...).”
“Ser pessoa consiste em dispor-se de si e dispor-se aos outros. Trata-se de um projeto audacioso de pertencer-se para doar-se.”
“A subjetividade refere-se a essa capacidade que o ser humano tem de ser singular. Antes de ser comunidade, o ser humano é pessoal, particular, reservado, privado, porque segue a mesma regra do mosaico. Junta-se aos outros para compor o todo, mas não deixa de ser o que é.”
“É muito fácil a gente se perder na pluralidade do mundo. É muito fácil entrar nos cativeiros dos que nos idealizam, dos que nos desconsideram, dos que pensam que nos amam, dos que nos viciam, dos que pensam por nós.”
“É preciso estar emocionalmente amadurecidos para que sejamos capazes de nos opor aos que ameaçam nossa subjetividade. Por que? Porque a imaturidade nos faz pensar que deixaremos de ser amados se não fizermos o que os outros esperam de nós.”
“Nem sempre o amor ama. Por vezes, ele é o disfarce do egoísmo.”
“O que nos atrai no outro é a terceira pessoa que conseguimos fazer nascer quando estamos com ele.”
“Os inimigos só podem sobreviver à medida que injetamos sangue em suas veias. O sangue da nossa permissão.”
“Conviver com quem optou pela inautenticidade causa uma infelicidade profunda. O gasto de energia para a mentira é muito mais elevado que para a verdade. Viver de projeções que não podem ser adequadas à realidade é o mesmo que não viver. A experiência das projeções nos coloca dentro de um mundo sem sustentação; e mundo projetado não é mundo que realiza, nem faz realizar.”
Um livro belíssimo e muito verdadeiro. Se lido com a atenção que merece, poderá abrir os olhos para muitos dos relacionamentos que nos roubam de nós sem que percebamos, e assim, o consentimos. Na tentativa de agradar aos outros e satisfazer suas expectativas, trilhamos um caminho amargo e árduo. Ralamos nossos joelhos até que sangrem em um calvário de privações pessoais e pensamos que este é o melhor caminho, chegando a nos convencer de que o desejamos realmente. Nós nos torturamos, nos tolhemos, nos mutilamos. Deixamos de ser quem nascemos para ser. Esquecemos dos nossos sonhos e os transformamos em pesadelos para que os sonhos dos outros – aqueles Aliens que se alimentam de nós – possam nascer.