GRAMÁTICA NORMATIVA: UM PERCURSO ATÉ O SÉCULO XXI
CÂMARA JÚNIOR, Joaquim Mattoso. A classificação dos vocábulos formais. In: Estrutura da Língua Portuguesa. 44 ed. Petrópolis, RJ: vozes, 2011.
GURPILHARES, Marlene Silva Sardinha. As bases filosóficas da gramática normativa: uma abordagem histórica. In: janus, lorena, ano 1, n° 1, 2° semestre de 2004.
MACAMBIRA, José Rebouças. A estrutura morfo-sintática do português. 7 ed. São Paulo; Pioneira, 1993.
Joaquim Mattoso Câmara Jr. fez faculdade de Arquitetura pela Escola Nacional de Belas-Artes e formou-se em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro. Participou de vários cursos de especialização em Linguística nos Estados Unidos. Ainda nos Estados Unidos, frequentou cursos de Grego, Sânscrito, Línguas da África e Linguística Comparada, além de fazer um curso intensivo de Fonética Experimental.
José Rebouças Macambira foi bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e bacharel, com licenciatura em Letras Neolatinas pela Faculdade Católica de Filosofia do Ceará. Fez cursos intensivos de Linguística e Fonética Experimental na Faculdade Católica de Filosofia e foi professor de Linguística da UFC.
Marlene Silva Sardinha Gurpilhares possui graduação em Língua Portuguesa pelas Faculdades Salesianas de Filosofia, Ciência e Letras de Lorena (1966), mestrado em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1984) e doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992). Atualmente é professora titular e orientadora de trabalhos de iniciação científica e de conclusão de curso nas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – Lorena/SP. Possui várias publicações e tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Ensino de Línguas.
Segundo Gurpilhares (2004), a gramática normativa tradicional foi elaborada a partir de critérios filosóficos, na Grécia, por volta do séc. V a. C.. O estudo gramatical pode ser visto como constituído de três períodos principais: o que se iniciou com os filósofos pré-socráticos e os primeiros retóricos, e continuou com Sócrates, Platão e Aristóteles; o período dos estoicos; e o período dos alexandrinos. Houve uma disputa entre os naturalistas, os que acreditavam ser “natural” a relação entre significado e a forma da palavra, e os convencionalistas, os que acreditavam ser uma relação convencional. Essa disputa prolongou-se por séculos, evoluindo para a discussão sobre até que ponto a língua é regular. A palavra grega para regularidade era “analogia”, e para irregularidade, “anomalia”. Daí nova disputa entre analogistas x anomalistas. Os analogistas esforçam-se por estabelecer modelos de referências para classificar as palavras regulares, daí o termo “paradigma”, incorporados à gramática. Cada filósofo deu sua contribuição para a incorporação da gramática normativa. Platão, por exemplo, ajudou na distinção entre “substantivos e verbos”. Aristóteles, por sua vez, criou as categorias de pensamento, que depois se tornariam as classes de palavras. Os estoicos passam a tratar a língua em obras independentes, todos desenvolveram o estudo sobre a língua no âmbito de pesquisas filosóficas ou lógicas. Em relação às classes de palavras, temos um desenvolvimento paulatino e com vários estudiosos. Os gregos utilizavam critérios semânticos, sintáticos e morfológicos. Já a preocupação dos alexandrinos era literária, e não filosófica ou lógica. Escreveram glossários e compêndios gramaticais, com o fim de tornar possível a leitura de textos clássicos, especialmente os de Homero. Em sua obra, Macambira (1993) também utiliza dos critérios sintáticos, semânticos e morfológicos para explicar a distribuição das palavras em classes, segundo as formas que assumem, as funções que desempenham e o sentido que expressam. Para ele, a classificação das palavras deve basear-se primariamente na forma. Quando falecem as indicações formais, a classificação deve basear-se no critério sintático, que é a palavra estudada em grupo, em sociedade. Significativo portanto é a versão latina do grego semântico. Semântico, pois, quer dizer significativo, embora a correspondência não seja total. O sentido, ou a significação, pode ser gramatical, que distingue uns dos outros, os diversos membros de um paradigma, ou lexical, o sentido básico que se conserva inalterado em todos os membros do paradigma. Macambira (1993) defende que a combinação de forma e sentido é sem dúvida importante, um e outro sem dúvida inseparáveis na descrição linguística. A significação deve ser usada como simples ponto de referência, somente para fazer a oposição igual/diferente, e não para conceituar esta ou aquela palavra. O vocabulário, ao mesmo tempo em que é distribuído em classes, também se distribui em sistema aberto e sistema fechado. Chama-se aberto porque o número das palavras é ilimitado e tende a crescer no decorrer do tempo. Ao sistema aberto pertencem: o substantivo, o adjetivo, o verbo e o advérbio nominal, que de quando em quando agasalham novos termos. Chama-se fechado porque o número das palavras não tende a crescer, mas a se conservar. Ao sistema fechado pertencem o artigo, o numeral, o pronome, o advérbio pronominal, a preposição, a conjunção e a interjeição. O sistema fechado, além de ocorrer com maior frequência, pode ser assimilado com relativa facilidade, ao passo que o aberto nunca será totalmente. Segundo Macambira (1993), certas palavras jamais figuram sozinhas em pergunta ou resposta, dependem completamente de outros vocábulos. O vocábulo que constitui o idioma divide-se em forma livre e forma presa. Forma livre é aquela que pode aparecer sozinha no discurso: sim; onde; lá; de certa maneira são de maioridade sob o aspecto vocabular. Forma presa é aquela que não pode aparecer sozinha no discurso: de, por exemplo. O termo contra é preposição e como tal se acha consignado em todo compêndio escolar. O que se dá com essa preposição, observa-se naturalmente com todas as outras classes: logo, por exemplo, é forma livre ou forma presa, conforme seja temporal na classe de advérbios, ou conclusivo na classe das conjunções. Os monossílabos e dissílabos constituídos por forma livre chamam-se tônicos; os constituídos por formas presas chamam-se átonos. O tipo de forma, livre ou presa, pode ter repercussão na estrutura sintática. Contudo, no campo da morfologia, são formas presas todos os afixos. Uma vez que aprendemos sobre os vocábulos formais (formas livres e formas e presas), devemos agora, distribuí-los em classes fundamentais. De acordo com Câmara Jr. (2011), isto foi feito para o grego antigo pelo gramático alexandrino Dionísio de Trácia. Novamente serão utilizados os três critérios aqui citados: semântico, mórfico e funcional. O critério semântico e o mórfico estão intimamente associados. Para Câmara Jr. (2011), em referência ao português, esse critério compósito, que podemos chamar morfossemântico, parece dever ser o fundamento primário da classificação. Por meio deles, temos uma divisão dos vocábulos formais em nomes, verbos e pronomes. A oposição de forma separa, em português, o nome e o verbo. Quanto ao pronome, o que caracteriza semanticamente é que ele nada sugere sobre as propriedades por nós sentidas como intrísecas. O pronome limita-se a mostrar o ser no espaço, visto esse espaço em português em função do falante: eu; mim; me; “o falante qualquer que ele seja”, este; isto; “o que está perto do falante”, e assim por diante. Câmara Jr. (2011) ainda lembra que a classificação funcional subdivide nomes e pronomes pela sua função na comunicação linguística. Há a função do substantivo, e há a função de adjetivo. Um terceiro conceito tradicional, de natureza funcional também é o advérbio. Certos vocábulos como os nomes, os verbos e os pronomes estabelecem entre dois ou mais termos uma conexão e podem-se chamar os vocábulos conectivos. A conexão pode fazer de um termo o determinante do outro, ou pode apenas adicionar um termo a outro no processo da coordenação. Os conectivos são em princípio morfemas gramaticais. Entretanto, há coordenativos subordinativos, ou conjunções subordinativas, que se reportam a um nome ou pronome e desempenham na oração em que se acham um papel que caberia a um nome ou pronome. A gramática tradicional os denominou “pronomes relativos”. Portanto, os três autores estão ligados a ideias de um mesmo plano, que é a origem da gramática tradicional normativa, e a distribuição e classificação do nosso vocabulário português. Eles seguem a linha dos critérios sintáticos, mórfico e semânticos, facilitando para nós, pesquisadores, o acesso a nossa própria língua.