Um livro célebre do professor Bechara
BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? 12. ed. São Paulo: Ática, 2007.
Destinado especialmente a professores da área de Letras, Ensino da gramática. Opressão? Liberdade?, do professor Evanildo Bechara, reflete a afinação de um estudioso de linha tradicional aos modernos estudos linguísticos.
A obra veio à luz sem aquele estardalhaço de Língua e liberdade, de Celso Pedro Luft, texto que propunha a erradicação do ensino da gramática em nossas escolas.
Cauteloso, alicerçado nos bons linguistas, Bechara valoriza a gramática normativa, termo que ele emprega na acepção de gramática descritiva. Enfatiza que linguistas do porte de Saussure e Lyons ressaltaram a importância da gramática tradicional, no seu âmbito pedagógico e normativo.
Quando analisa a crise do idioma, por sua vez, o autor a associa à ênfase dada ao coloquialismo linguístico, que predominou no pós-guerra. Entende, também, haver uma crise na linguística, que, no âmbito universitário, ainda não encontrou seu caminho. A terceira crise, segundo ele, encontra-se na própria escola, onde se despreza a gramática normativa naquela acepção descritiva de que se falou.
Esse privilégio da oralidade, para Bechara, é reflexo de estudos de línguas ágrafas e da própria natureza da gramática tradicional, que ensejou posições radicalmente contrárias à sua doutrina. Daí para a abolição da gramática foi um passo. Já nos anos 70, contudo, volta-se a insistir no padrão culto de linguagem.
Discorre depois o autor – e aí está o cerne da obra – sobre a questão da educação linguística e sua importância para a formação do ser humano. Conclui-se que a escola deve propiciar ao educando a oportunidade de se tornar um poliglota na própria língua. Essa a verdadeira educação linguística! Essa a verdadeira libertação! Enfatiza o estudioso que sobrecarregar as aulas de língua com a exposição ao registro coloquial é tão opressivo quanto a atitude conservadora de desprestigiar quaisquer modalidades linguísticas em favor do registro culto.
Alicerçado nas ideias de Jakobson e Halliday, o brasileiro defende que é preciso enfatizar a funcionalidade da linguagem. O ensino passa a ser de linguagem e não de língua. Entendida aquela como uma abstração, é preciso desenvolver esse potencial humano nas suas diferentes funções.
Sob o citado aspecto da funcionalidade, passa despercebido ao autor que à ênfase didática ao reconhecimento das funções da linguagem não correspondem, muitas vezes, exercícios que priorizem produção textual nessas habilidades, resumindo-se a prática pedagógica à atividade metalinguística de reconhecimento das funções.
Ao criticar a glotodidática, por sua vez, o autor parece entender que a gramática descritiva está encampando algumas formas linguísticas tendo como critério a sua frequência na linguagem coloquial ou familiar. Segundo ele, na verdade, trata-se de línguas funcionais diversas e a contemplação dessas formas constitui desvio descritivo. Não avança, contudo, o autor – e esse não é mesmo o objetivo da obra – na delicada questão dos limites entre uma língua funcional e outra. A fronteira entre o coloquial e o culto, em algumas situações, é por demais tênue, o que justificaria essa permeabilidade da descrição gramatical.
O autor se trai mesmo por sua formação clássico-humanística. Ainda abordando a glotodiática, ele sugere, por exemplo, estudos semânticos de determinadas expressões numa dimensão histórica, com o objetivo de desenvolver a cultura dos alunos. Chega a citar, por exemplo, entre outros trabalhos, o Tesouros da fraseologia brasileira, de Antenor Nascentes, que tem essa preocupação com o que se poderia chamar semântica diacrônica. Bechara aconselha mesmo que os livros didáticos se reformulem nesse sentido e vão reproduzindo em doses homeopáticas informações dessa natureza. Esse posicionamento, ao que parece, ressuscita o Evanildo Bechara de outras obras famosas, mais apegadas à tradição. O autor chega, também, a encarecer para os professores “uma biblioteca seleta onde seus conhecimentos, de toda sorte, possam ser ampliados e suas dúvidas elucidadas”, o que nos parece incompatível com a nossa realidade.
Ao analisar o livro didático, Evanildo Bechara questiona-lhe, ainda, a preferência pelas crônicas, segundo ele, eivadas de coloquialismo, o que novamente denuncia certo conservadorismo.
Bate-se, entretanto, o autor contra o ensino da gramática que não contribua para o conhecimento da língua e as realizações da linguagem.
Acorde, ainda, com o pensamento do linguista italiano Lo Cascio, o professor Bechara enfatiza a necessidade e a importância de atividades orais na escola, reforçando a tese de que se deve desenvolver no educando vários registros linguísticos.
O rancismo gramatical, evidentemente que a obra o condena, sem preterir a norma culta, para cujo entendimento e discernimento requer-se o equilíbrio do educador.
Em síntese, este trabalho de Evanildo Bechara é um pequeno livro, sério, cujo grande mérito é instigar proveitosas reflexões aos professores e estudiosos da língua portuguesa.