A DIVINA COMÉDIA, de Dante Alighiere
(Por Sandra Fayad)
A Divina Comédia, ou simplesmente “A Comédia”, é sem dúvida uma obra interessante do ponto de vista estrutural. A edição bilíngue , com tradução e notas de Italo Eugenio Mauro, apresenta rimas forçadas verso a verso em português, o que deve ter sido um trabalho árduo. Merece aplauso, embora haja crítica sobre a fidelidade ao texto original.
Quanto ao formato - 100 cantos e 14.233 versos em tercetos hendecassílabos (11sílabas), rimados de modo alternado e encadeado, é uma construção inteligente, porém muito “amarrada”, consequentemente exaustiva e enfadonha, por tratar-se de um poema extenso.
Com relação ao conteúdo, em linhas gerais, é uma obra autobiográfica de um intelectual idealista, visionário e frustrado, detentor de uma invejável capacidade imaginativa. Alijado da sociedade corrupta e politicamente desorganizada, que não pode modificar enquanto cidadão, colhe dali o acervo histórico e cultural para alinhavar seu poema. Vai buscar na realidade vivenciada, e passível de ser transformada pela doutrinação cristã, a matéria prima de sua obra. Vinga-se de cada um dos seus desafetos e tenta resgatar e fixar os valores em que acredita. Merece registro o fato de ter se apoiado nos princípios regados por sábios como Aristóteles, Ptolomeu, Platão e outros mais do que na fé cristã. Queria entender o Universo e acho que foi além dos conhecimentos científicos de sua época.
A leitura sobre a visão do inferno com seus círculos de sofrimentos progressivos foi difícil. Abstive-me de ler alguns versos muito fortes nos últimos cantos. Acho que Dante exagerou nas alegorias com fogo, afogamentos, decapitações, sangue. Mas deve ter se sentido redimido dos maus tratos por que passou enquanto cidadão, deixando também claro quais eram os valores morais que pretendia ressaltar.
Não concordo com o castigo pela ausência do batismo. É discriminação! O purgatório é um misto de céu, limbo e inferno. Como é que Catão é o porteiro do purgatório se cometeu suicídio por não suportar que a Roma republicana sucumbisse? Da mesma forma poderia ter sido mais justo com Virgílio, permitindo que ele saísse do Limbo e entrasse no Paraíso, como agradecimento por ter sido seu salvador e cicerone na pior fase da jornada. Era de se esperar que a visão do Paraíso e o encontro com Beatriz , a bem amada, e a purificação de Dante, em várias etapas, para permitir-lhe a aproximação com Deus fosse a parte lúdica e mais agradável da obra. Na peregrinação pelos astros, Dante foi um visionário de respeito. Ensaiou os princípios da Física Quântica, hoje tão em voga. Mas Dante não me convenceu que era inabalável a sua fé cristã. No Paraíso há uma confusão de astronomia com moral e fé. A despeito das alegorias, prevaleceu sua antiga bandeira de mudanças na ordem social e política vigente, com as quais não se conformava e os seus dois amores: Florença e Beatriz.
Penso que ouvi de Dante esta pergunta: “Quem és tu que queres julgar, / com vista que só alcança um palmo, / coisas que estão a mil milhas?”
(Por Sandra Fayad)
A Divina Comédia, ou simplesmente “A Comédia”, é sem dúvida uma obra interessante do ponto de vista estrutural. A edição bilíngue , com tradução e notas de Italo Eugenio Mauro, apresenta rimas forçadas verso a verso em português, o que deve ter sido um trabalho árduo. Merece aplauso, embora haja crítica sobre a fidelidade ao texto original.
Quanto ao formato - 100 cantos e 14.233 versos em tercetos hendecassílabos (11sílabas), rimados de modo alternado e encadeado, é uma construção inteligente, porém muito “amarrada”, consequentemente exaustiva e enfadonha, por tratar-se de um poema extenso.
Com relação ao conteúdo, em linhas gerais, é uma obra autobiográfica de um intelectual idealista, visionário e frustrado, detentor de uma invejável capacidade imaginativa. Alijado da sociedade corrupta e politicamente desorganizada, que não pode modificar enquanto cidadão, colhe dali o acervo histórico e cultural para alinhavar seu poema. Vai buscar na realidade vivenciada, e passível de ser transformada pela doutrinação cristã, a matéria prima de sua obra. Vinga-se de cada um dos seus desafetos e tenta resgatar e fixar os valores em que acredita. Merece registro o fato de ter se apoiado nos princípios regados por sábios como Aristóteles, Ptolomeu, Platão e outros mais do que na fé cristã. Queria entender o Universo e acho que foi além dos conhecimentos científicos de sua época.
A leitura sobre a visão do inferno com seus círculos de sofrimentos progressivos foi difícil. Abstive-me de ler alguns versos muito fortes nos últimos cantos. Acho que Dante exagerou nas alegorias com fogo, afogamentos, decapitações, sangue. Mas deve ter se sentido redimido dos maus tratos por que passou enquanto cidadão, deixando também claro quais eram os valores morais que pretendia ressaltar.
Não concordo com o castigo pela ausência do batismo. É discriminação! O purgatório é um misto de céu, limbo e inferno. Como é que Catão é o porteiro do purgatório se cometeu suicídio por não suportar que a Roma republicana sucumbisse? Da mesma forma poderia ter sido mais justo com Virgílio, permitindo que ele saísse do Limbo e entrasse no Paraíso, como agradecimento por ter sido seu salvador e cicerone na pior fase da jornada. Era de se esperar que a visão do Paraíso e o encontro com Beatriz , a bem amada, e a purificação de Dante, em várias etapas, para permitir-lhe a aproximação com Deus fosse a parte lúdica e mais agradável da obra. Na peregrinação pelos astros, Dante foi um visionário de respeito. Ensaiou os princípios da Física Quântica, hoje tão em voga. Mas Dante não me convenceu que era inabalável a sua fé cristã. No Paraíso há uma confusão de astronomia com moral e fé. A despeito das alegorias, prevaleceu sua antiga bandeira de mudanças na ordem social e política vigente, com as quais não se conformava e os seus dois amores: Florença e Beatriz.
Penso que ouvi de Dante esta pergunta: “Quem és tu que queres julgar, / com vista que só alcança um palmo, / coisas que estão a mil milhas?”